Depois de revelar um dos maiores esquemas de corrupção do mundo e anunciar que propina era uma página virada na sua história, a Odebrecht decidiu criar um conselho global com alguns dos mais famosos executivos e pesquisadores de ética e sustentabilidade nos negócios. Fazem parte do grupo o ex-presidente da Transparência Internacional Jermyn Brooks, o ex-presidente da Shell Marky Mood-Stuart e a professora da escola de negócios de Harvard Lynn Paine. Todos têm experiência no combate à corrupção. A Transparência Internacional tornou-se a entidade mais famosa nessa área. Brooks também é um dos conselheiros de ética da Siemens. Mood-Stuart enfrentou uma mistura de Odebrecht e Samarco quando presidia a Shell ao se defrontar com problemas de suborno e ambientais, como costuma comparar Sergio Foguel, integrante do conselho do grupo. Odebrecht que articulou todo o sistema de integridade do grupo. O conselho global terá dupla função, segundo Foguel: vai pensar os negócios a partir da ética e da sustentabilidade na fase pós-Operação Lava Jato e assessorar os chamados lÃderes internos da empresa, num total de 500 executivos, em questões práticas. A Odebrecht é a maior empresa de construção do paÃs e tem cerca de 79 mil funcionários em 24 paÃses -eram 180 mil antes da Lava Jato. Em sua primeira reunião, a partir do próximo domingo (22), o grupo vai discutir uma das questões mais complexas em economias corruptas como a brasileira: como ser competitivo respeitando as regras éticas? A desvantagem das empresas éticas é mais ou menos óbvia: quem suborna tem mais chances de vencer uma licitação pública porque os polÃticos e os negócios públicos
Foguel diz que o tema foi escolhido porque é o maior desafio atual. Após fechar acordos de delação e leniência, a Odebrecht aceitou pagar das maiores multas do mundo (US$ 2,6 bilhões) e mergulhou numa crise sem precedentes em sua história: os resultados da construtora foram de US$ 14,7 bilhões em 2015 para US$ 4,4 bilhões no perÃodo entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017.
A grande questão, segundo ele, é como ampliar a competitividade do grupo com ética. “Só há uma maneira de operar: com ética, integridade e transparência. Não há outra opção.”
Para complicar ainda mais a situação, há um princÃpio segundo o qual é muito difÃcil mudar uma empresa isoladamente; a ação tem de ser sobre o setor todo, seja ele o de construção ou óleo e gás.
Isso ocorre justamente porque a adoção de posturas éticas desequilibra a competição, como defende Caio Magri, presidente do Instituto Ethos. É por esse motivo que o Ethos trabalha num plano nacional de integridade e privilegia a ação em setores, não em empresas isoladas.
O empresário alemão Georg Kell, um dos mais famosos especialistas em ética e sustentabilidade, disse à Folha que há uma saÃda enquanto o setor inteiro não adota uma polÃtica de integridade e transparência.
Criador do programa de desenvolvimento sustentável das Nações Unidas chamado Pacto Global, da qual fazem parte 9.000 empresas de mais de 160 paÃses, Kell concorda com a posição do Instituto Ethos de que uma empresa sozinha não muda um mercado corrupto.
“Para criar um mercado ético, é necessária uma ação coletiva. Nenhuma companhia sozinha vai ter sucesso. Precisamos de uma mudança cultural. Como fazer isso? Você tem de trabalhar com seus concorrentes”, afirma.
Ainda segundo Kell, “a mais importante questão é saber se é possÃvel criar ilhas de integridade no Brasil, se podemos criar um movimento anticorrupção e o quão distante podemos ir”.
Foguel diz que essas ilhas já existem e que a decisão da Odebrecht de romper com a prática de corrupção atraiu outras empresas preocupadas com ética.
Segundo ele, o setor privado no Brasil tem essa preocupação e há empresas globais de óleo e gás, transmissão de energia e fabricantes de turbinas que já procuraram a Odebrecht após o grupo anunciar mudanças.
“Há uma sinergia mundial em busca de ética”, diz Foguel. “Nós vamos atuar onde essa demanda já existe e vamos trabalhar para ampliar as demandas por integridade. Deve-se esperar macromudanças e ao mesmo tempo agir para que elas aconteçam”.
O próprio Foguel faz questão de frisar que nenhuma dessas tarefas é fácil, sobretudo porque elas dependem de alterações legislativas num Congresso que parece mais preocupado com a salvação dos parlamentares do que com mudanças visando à ética do mercado de obras públicas.
“Se as macromudanças não ocorrerem nos próximos dois ou três anos, nós vamos ficar vendo navios neste paÃs.”