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15 de agosto de 2018
Polícia

Novos livros sobre o PCC mostram bastidores e dia a dia da facção

Foto: Reprodução

Entre os pontos fortes está a narrativa das relações entre o PCC e o Comando Vermelho
Conseguir traduzir de forma clara, organizada e didática uma história complexa e, por muitas vezes, com detalhes inacessíveis até mesmo para os órgãos de investigação, é um dos principais méritos do livro “A Guerra – A Ascensão do PCC e o Mundo do Crime no Brasil” (Todavia).

Escrita por dois importantes pesquisadores do crime organizado, Bruno Paes Manso e Camila Nunes Dias, a obra traz bastidores da guerra nacional entre a facção criminosa PCC e grupos rivais, que eclodiu no início do ano passado com mortes em diferentes presídios do país.

A relevância do livro não está no currículo dos autores ou em alguma grande revelação, mas no conjunto de informações, algumas inéditas, que já faz dele uma referência sobre o crime organizado nacional.

Entre os pontos fortes está a narrativa das relações entre o PCC e o Comando Vermelho, do surgimento da parceria criminosa e o desgaste dela até o rompimento total em junho de 2016. Tal descrição fortalece o motivo mais provável para a ruptura: a proibição por parte do CV para integrantes do PCC batizarem novos membros nos estados.

“Essas pessoas que foram batizadas por vocês, querem brecar nosso batismo pelo estado e isso jamais vamos permitir”, diz mensagem do PCC endereçada ao chefe do CV, Marcinho VP, antes do rompimento, há dois anos.

Também merece destaque a forma como os autores detectaram as mudanças da “ideologia” do PCC ao longo do tempo e a forma como a facção expandiu seus domínios.

Os autores apontam a forma de o secretário paulista Lourival Gomes administrar o sistema prisional como um dos fatores para essa expansão, com transferências de membros após “pequenas rebeliões” no estado de São Paulo.

Ainda sobre o secretário, o livro insinua haver, atualmente, um acordo tácito entre governo paulista e o chefe da facção, Marco Camacho, para evitar, por exemplo, represálias do PCC à decisão de mandar chefes do bando para um regime de prisão mais duro.

“Como foi possível o PCC ter seu momento de maior expansão e chegar ao mercado atacadista justamente quando as principais [chefes] estavam presas na Penitenciária 2 de Presidente Venceslau?”, questionam os autores em resposta enviada à reportagem.

Os autores deram atualidade ao livro ao incluir, por exemplo, informações sobre as mortes dos chefes do PCC Rogério Jeremias Simone, o Gegê do Mangue, e Fabiano Alves de Souza, o Paca.

Ao contrário de outras referências sobre o PCC, como “Cobras e Lagartos”, de Josmar Jozino (Edipro) e “Cocaína – A rota caipira”, de Allan de Abreu (Record), “A Guerra” usa informações jornalísticas mas também introduz teses defendidas pelos autores sobre o assunto. Mistura jornalismo com a academia.

A mais polêmica das teses é dar como certo que a “regulamentação desse mercado e a descriminalização do mercado das drogas são a forma mais eficiente de reduzir os ganhos do tráfico de drogas e controlar a violência”.

Allan de Abreu, que estudou o tráfico de drogas por mais de cinco anos para escrever “Cocaína” e é fonte de referência no livro, diz que a liberação não significa quadrilhas menos poderosas.

“Há estados norte-americanos em que a presença dos cartéis mexicanos se tornou mais intensa após a descriminalização da maconha.”

Embora não comprometa a qualidade e o conjunto da obra, o texto tem algumas imprecisões. A única que merece ser revista é atribuir a Aurinete, mulher do então chefe do PCC Cesinha, o mando da morte da ex-mulher de Marcola, Ana Olivatto. Segundo especialistas, entre eles o delegado Ruy Ferraz Fontes, essa afirmação não pode ser feita –até porque ninguém foi indiciado pelo crime.

Uma visão diferente sobre a organização do PCC está na obra do sociólogo Gabriel Feltran, “Irmãos – uma história do PCC (Companhia da Letras)”, que aponta o grupo como uma sociedade secreta, funcionando como uma espécie de maçonaria do crime.

“Uma rede de apoio mútuo, pautada pelo respeito aos negócios e pela honra do outro irmão”, explica a editora.

É uma interpretação diferente das autoridades brasileiras que, geralmente, comparam a facção criada em SP com máfias internacionais, ou até com cartéis mexicanos. A obra é baseada em anos de pesquisa nas periferias paulistas. “A metáfora da maçonaria é um recurso -quase didático- para demonstrar por que as metáforas da empresa ou do comando militar não são boas o suficiente”, diz.

Um dos pontos mais interessantes do livro são as conversas transportadas pelo autor de seu trabalho de campo das “quebradas”. Ele explica o funcionamento das regras de convivência criminal imposta por membros da facção.

Criminosos que não pertencem à facção podem responder por infrações às éticas do crime -como matar alguém sem autorização.

O professor prefere utilizar outro termo para imposição. “Não há uma imposição do PCC, mas uma regulação do que é considerado certo -obviamente na ética deles, que não é a nossa. Essa ética não é prescritiva como a nossa. Ela é mais retrospectiva. Avalia o que aconteceu, mais do que preconizar o que deve ser feito.”

Um problema do livro é a falta de rigor na apuração de algumas informações oficiais.

Por exemplo, diz que “mais de 15 anos da vida de Marcola foram passados em Regime Disciplinar Diferenciado”. Na verdade, desde que foi preso, em 1999, segundo dados do governo de SP, Marco Camacho (que o autor chama de Marcos), permaneceu nesse regime cinco vezes – totalizam menos de quatro anos.

Também diz ter sido a Polícia Federal a responsável pela Operação Ethos, quando na verdade foi a Polícia Civil e Ministério Público de São Paulo. “Seguramente estava baseado em informação de imprensa”, diz o autor, que promete uma correção na próxima edição.

IRMÃOS – UMA HISTÓRIA DO PCC

AUTOR Gabriel Feltran

EDITORA Companhia das Letras

QUANTO R$ 49,90 (408 páginas).