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19 de outubro de 2018
Brasil

Investigação da PF sobre atentado a Jair Bolsonaro aponta para o PCC

Foto Reprodução

Já passava do meio da tarde de quinta-feira (18), quando deu entrada na Justiça Federal de Juiz de Fora, em Minas Gerais, um pedido do delegado Rodrigo Morais Fernandes para prorrogar o prazo de conclusão do segundo inquérito aberto para apurar as circunstâncias do ataque a faca que quase matou Jair Bolsonaro, candidato do PSL à Presidência da República.

Conforme a Revista Crusoé, no primeiro inquérito, finalizado há três semanas, o delegado concluiu que no dia do crime o auxiliar de pedreiro Adélio Bispo de Oliveira agiu sozinho, sem qualquer comparsa. Mas, como Crusoé já havia informado, uma segunda investigação foi aberta para averiguar se há um mandante ou, ao menos, se alguém incentivou Adélio a esfaquear Bolsonaro. No documento enviado nesta quinta ao juiz Bruno Savino, encarregado do caso, o delegado pede mais prazo para investigar, em especial, a suspeita de que por trás do ataque a Bolsonaro pode estar a maior facção criminosa do país: o Primeiro Comando da Capital.

Em sua edição de número 21, que foi ao ar no final de setembro, Crusoé revelou que a participação do PCC no crime estava entre as hipóteses consideradas pela Polícia Federal na investigação. Àquela altura, a equipe responsável pelo inquérito desconfiava, especialmente, do fato de os advogados que apareceram de repente para defender Adélio terem, em sua carteira de clientes, integrantes da facção. A suspeita inicial era de que o PCC pudesse estar custeando a defesa do agressor do candidato – os advogados são conhecidos por cobrarem caro por seus serviços e nunca explicaram, objetivamente, quem os contratou para defender Adélio.

Ainda segundo a Crusoé, com o avanço do trabalho da polícia, a suspeita mudou de patamar. Agora, a possível participação do PCC no atentado a Bolsonaro é considerada, oficialmente, a principal hipótese do inquérito. “Nossa principal linha de investigação é o envolvimento do PCC no crime”, confirmou a Crusoé o delegado Morais. No documento em que pede a prorrogação do inquérito, ao qual a reportagem teve acesso, Morais explica por que precisa de mais tempo para concluir o trabalho e, ao listar as razões, cita textualmente a facção nascida nos presídios. Ele diz, no pedido ao juiz, que é preciso apurar “o envolvimento de facções criminosas, a exemplo do Primeiro Comando da Capital-PCC, por detrás da ocorrência delituosa” e menciona que há diligências em curso destinadas a destrinchar os indícios do envolvimento da organização no crime. No mesmo expediente, o delegado revela que a suspeita sobre os advogados de Adélio também passou, oficialmente, a fazer parte do inquérito — sim, agora os advogados também estão sob investigação. O delegado afirma estar apurando fatos reportados em uma notícia-crime “que apontam para a prática dos crimes de integrar organização criminosa e contra a segurança nacional, dentre outros, atribuídos aos advogados de Adélio Bispo de Oliveira”.

É a primeira vez que a Polícia Federal admite, no papel, estar investigando suspeitas relacionadas aos advogados que apareceram para defender Adélio. Da mesma forma, é a primeira vez que a parte sigilosa da apuração sobre a suposta participação do PCC vai parar formalmente nos autos como uma importante linha do inquérito.

Conforme a publicação, não há, no documento, explicações detalhadas sobre as razões que põem a facção no radar dos policiais. Mas Crusoé apurou alguns dos elementos que levaram a equipe do delegado Morais a suspeitar do envolvimento da facção no crime. Os policiais trabalham com duas hipóteses principais. A primeira é a de que a facção possa ter encomendado o atentado. A outra é de que ela esteja patrocinando a defesa de Adélio Bispo. Destrinchando a suspeita original, surgida a partir da desconfiança em relação aos advogados, os policiais descobriram que, no rol de amigos de Adélio, havia um “faccionado” do PCC – como são chamados os detentos ou ex-detentos batizados pela organização. Foi no Facebook do agressor de Bolsonaro que apareceu a primeira pista. O tal amigo é de Montes Claros, no interior de Minas, cidade-natal de Adélio. Já passou pelo sistema prisional do estado, mas está hoje em liberdade. No início desta semana, os agentes federais saíram a campo para tentar localizá-lo. Descobriram que ele já não mora mais em Montes Claros. Mudou-se para Campinas, no interior de São Paulo, onde também está baseado um segundo personagem da investigação, amigo do amigo de Adélio, que é apontado pelas autoridades como integrante do PCC.

Nas redes sociais, esse segundo personagem aparece ostentando dinheiro e armas pesadas e exibindo tatuagens com referências a palhaços, algo que, no código do crime, é uma marca típica de criminosos que querem se mostrar como algozes de policiais. Ambos, o amigo de Adélio e o amigo do amigo de Adélio, continuam sendo procurados pela PF. Paralelamente, a equipe trabalha em outra ponta da investigação que relaciona o ajudante de pedreiro a faccionados do PCC em Florianópolis, uma das várias cidades onde o esfaqueador de Bolsonaro morou nos últimos anos. Essa ponta da investigação ainda é mantida sob absoluto sigilo.

Enquanto isso, em Minas, os investigadores procuram delinear a relação dos advogados de Adélio Bispo com “faccionados” do PCC. Nas últimas semanas, eles reuniram uma lista de detentos que, nos arquivos oficiais, são apontados como integrantes da facção e têm como defensores os mesmos advogados de Adélio. Ao menos dois desses “faccionados” estão atualmente cumprindo pena na penitenciária Nelson Hungria, em Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte, e são clientes de Fernando Magalhães, um dos integrantes da equipe de criminalistas que defende Adélio. São acusados de crimes como tráfico de drogas e homicídio.

À Crusoé, Magalhães negou que esteja trabalhando no caso Adélio a soldo do PCC. “Eu não advogo para o PCC, mesmo porque o PCC é uma ficção, né? Uma denominada associação de criminosos que teriam uma bandeira. Eu advogo para algumas pessoas que seriam relacionadas a esse grupo criminoso”, disse. “A minha advocacia é séria. Meus clientes me contratam pontualmente por processo, para um júri, e eu atendo. Se ele for religioso ou for criminoso contumaz, me interessa o exercício do meu ofício”, emendou, em entrevista ao repórter Eduardo Barretto. O advogado foi além. Disse não acreditar em qualquer ligação de Adélio com o PCC e que, se a facção tivesse interesse em atacar Bolsonaro, usaria outros meios: “Se houvesse uma forte organização criminosa para praticar a morte do presidenciável, teriam dado para ele uma arma, não uma faca. Se fosse ligado a essa facção criminosa, que é temida principalmente nos estados de São Paulo, Minas Gerais, eles certamente teriam poderio financeiro e logístico para providenciar ataques. Eu sequer consigo acreditar nessa possibilidade de o Adélio ter contado com qualquer pessoa relacionada a essas pessoas. Sequer acredito que tenha tido esse tipo de contato. Mas eu não defendo PCC. Eu defendo pessoas que estão sendo processadas pela Justiça, inclusive deputados. Qualquer um.”

Não foi só dos policiais que os advogados chamaram a atenção quando se apresentaram para defender o ajudante de pedreiro, logo após o ataque a Bolsonaro em Juiz de Fora. Horas depois de Adélio ser preso em flagrante, os advogados – Magalhães entre eles – correram até Juiz de Fora. Chegaram à cidade a bordo de um avião particular. Era o início de uma sequência de mistérios e histórias desencontradas. Quem paga? Quanto custa? Quais os interesses de quem custeia a defesa? Os advogados, até aqui, mantêm no anonimato o contratante – ou os contratantes. As versões são nebulosas.

Um deles, Zanone Júnior, disse ter sido acionado por uma pessoa que seria ligada a uma igreja frequentada no passado por Adélio e que, em seguida, chamou os outros três colegas para ajudá-lo na empreitada. Entre eles, Fernando Magalhães. Zanone contou que, pelo serviço, recebeu dois pagamentos em dinheiro vivo. O quarteto é conhecido em Minas por cobrar caro e também por atuar em casos de grande repercussão – Zanone, por exemplo, trabalhou no processo que levou o goleiro Bruno à prisão.

Os policiais que atuam no inquérito estão em permanente contato com o staff de Bolsonaro. E tentam obter do candidato e de familiares informações que possam ajudar na apuração – como, por exemplo, dados sobre ameaças ocorridas antes ou mesmo depois do atentado. Foi em um desses contatos que eles receberam, por exemplo, a notícia de que, em 17 de setembro, tiros teriam sido disparados para o alto, durante a noite, nas proximidades do condomínio onde mora o presidenciável, na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio. Na ocasião, Bolsonaro ainda estava internado em São Paulo. Um boletim de ocorrência foi registrado.

Ainda é prematuro afirmar que o PCC está por trás do atentado a Bolsonaro. Mas o fato de a Polícia Federal apontar essa suspeita como a principal linha de investigação do segundo inquérito aberto para investigar o crime abre um novo flanco que pode dar ao caso outra dimensão. Contribuem para reforçar a hipótese dos investigadores alguns elementos colhidos em trabalhos de inteligência da própria PF destinados a monitorar a ação da facção criminosa – especialmente nas situações que envolvem crimes federais, como lavagem de dinheiro. Em interceptações telefônicas, chefes do PCC aparecem fazendo referências nada elogiosas a Jair Bolsonaro. A leitura dos policiais é a de que a promessa do candidato de radicalizar o combate ao crime organizado representa uma ameaça aos criminosos e que, por isso, eles estariam temerosos com a sua possível eleição. As informações são da Revista Crusoé, do Antagonista.