Recentemente, Fernanda Tomchinsky-Galanternik, 31, mudou seu status no LinkedIn. Desde março é “rabina da Congregação Israelita Paulista”, a CIP, na rede social voltada a contatos profissionais. Nunca houve outra como ela, não nesta que é a maior congregação judaica da América Latina, com mais de 4.000 filiados. É a primeira mulher por lá e a única entre os 150 rabinos em atividade no Brasil. Antes dela, outras três brasileiras chegaram ao rabinato –todas hoje vivem no exterior. “Homem tem que sair da caixinha e mulher também. Será que não está tudo bem ele deixar de trabalhar para cuidar da criança?”, afirma no auditório da CIP onde “alguns anos atrás sentava homem separado de mulher”. Feminismo, para ela, é “palavra complexa”. O que defende: Que os gêneros possam ter as mesmas possibilidades”. Daà a abraçar slogans ideológicos. Parte importante de sua identidade é ser mãe de Naomi, 2, e esposa de Leandro, 32. Conta que, em casa, “o zero à esquerda” na cozinha é ela –já o marido fez curso de chef. Em 2016, ela usou o humor para expor o machismo entranhado em alas mais conservadoras do judaÃsmo. Compartilhou no Facebook a imagem de dois homens brincando com duas crianças, extraÃda de uma revista editada por judeus ultraortodoxos avessos a reproduzir a figura da mulher. Saldo involuntário: mais pareciam um casal gay com filhos adotivos do que outra coisa. Nesses meios, diz Fernanda, “há esta ideologia de não expor mulher”. A ironia é que “em geral são setores que não apoiam o relacionamento homossexual, e quando você olha [fotos sem mulheres], parece justamente o contrário. Sempre achei meio engraçado”. Você não vai encontrar fotos com mulheres, por exemplo, no “Mishpacha”, popular semanário “da famÃlia judaica”. Para não se indispor com ultraortodoxos, uma empresa de Israel baniu dos cartazes do filme “Os Smurfs e a Vila Perdida” a feminina, a Smurfette. O “apagão” aconteceu com uma foto em que lÃderes mundiais marchavam após o ataque terrorista ao “Charlie Hebdo”, em 2015. Um jornal judeu deletou todas as estadistas, como a alemã Angela Merkel. Fernanda reconhece que a alienação de mulheres na sua religião está “dentro de grande bola de neve de tabu”. Foi no exterior que detectou maior resistência ao seu interesse em virar rabina, diz. “Em congressos lá fora, encontrei pessoas que falavam: ‘Isso não é coisa de mulher’.” No Brasil se sentiu em casa. “Não sei se tive sorte.” Na CIP, está apta a fazer tudo o que os outros dois rabinos fazem, como celebrar casamentos. Ainda assim, se exime de atividades “mais delicadas” se achar que alguém pode se incomodar com sua presença. “Cemitério [acompanhar famÃlias] talvez seja a mais relevante.”Sobretudo membros mais velhos da congregação podem ter um “estranhamento.” “Talvez tenha gente que pensava que isso nunca fosse possÃvel.”Uma bênção matinal proferida por muitos judeus vai assim: “Bendito sejas Tu, […] Rei do Universo, que não me fizeste mulher” (elas substituem a última parte por “que me fez conforme Sua vontade”). Para Fernanda, é questão de tempo até a participação feminina se popularizar nos ritos religiosos. A lei judaica, por exemplo, diz que “qualquer um pode ler a Torá”, mas também que, quando uma mulher o faz, “pode envergonhar o homem”. Mas isso, hoje, “não é um argumento relevante como era séculos atrás”.