A composição do pacote de contenção de gastos apresentada pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda) frustrou expectativas ao demonstrar, na visão do mercado financeiro, a baixa disposição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em patrocinar um esforço maior de ajuste ainda em seu mandato.
Da economia de R$ 327 bilhões prometidos pelo governo, R$ 72 bilhões viriam entre 2025 e 2026, enquanto os outros R$ 255 bilhões seriam poupados entre 2027 e 2030.
Além disso, os números da equipe econômica estão sob o escrutínio de especialistas, que ainda não se convenceram de que esses valores serão realizados.
Os economistas afirmam que, num processo de ajuste fiscal, é natural que as medidas tenham efeitos cumulativos, ou seja, mais expressivos ao longo do tempo. Isso porque a capacidade de correção da trajetória de uma despesa no curto prazo é baixa.
Foi assim, por exemplo, a reforma da Previdência aprovada em 2019 com impactos imediatos pequenos, mas efeitos significativos a médio e longo prazo.
No entanto, a largada tímida do pacote de Haddad foi recebida com preocupação pelos agentes, que viram na decisão certa hesitação do governo em promover mudanças mais céleres nos gastos obrigatórios.
O exemplo mais evidente é o do abono salarial, que avançou uma década até concluir uma transição que vai restringir o acesso a quem recebe 1,5 salário mínimo (contra os 2 pisos dos descontos atuais).
Faltando pouco menos de dois anos para as eleições presidenciais de 2026, a perspectiva era que a equipe econômica ainda tivesse maior capacidade de persuasão para convencer o presidente a empenhar seu capital político em prol de medidas mais duras de ajuste.
A desidratação do pacote ainda em seu nascente, semeada pelos ministros das áreas afetadas, despertou o temor de que esse seja o prenúncio das pressões que vão se avolumar quanto mais na próxima vez for a eleição.
Interlocutores do governo avaliam a questão sob diferentes óticas. Para uma ala, não se trata de envolvimento de capital político, mas, sim, de uma expectativa do mercado dissonante do programa de governo defendido por Lula. Segundo um técnico, a divergência não é sobre a necessidade de fortalecer o arcabouço, mas sobre o recebimento para fazê-lo.
Outra ala afirma que Haddad errou em alimentar as expectativas do mercado por um pacote robusto sem antes convencer uma pessoa que teria de patrociná-lo: o presidente Lula.
O economista Manoel Pires, coordenador do Centro de Política Fiscal e Orçamento Público do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), afirma que o governo tinha três grandes questões a endereçar com o anúncio das medidas.
A principal delas foi que a repercussão do pacote melhorasse as condições financeiras no momento presente, com juros de longo prazo mais baixos e reais mais valorizados. A divulgação teve o efeito oposto.
“O objetivo principal, ter impacto positivo no curto prazo, frustrado por causa do [projeto do] Imposto de Renda”, diz Pires, em referência à proposta de isentar quem ganha até R$ 5.000, adotando como contrapartida a tributação de pessoas com renda mais alta.
O segundo ponto foi sinalizar a sustentabilidade do arcabouço fiscal ao longo do tempo. “O governo apresentou um pacote que, em princípio, entrega isso, mas sem explicar muito de onde vêm os impactos”, alerta.
A terceira questão é a chance de aprovação das medidas no Congresso Nacional. Na sexta-feira (29), a cúpula do Legislativo entrou em campo para sinalizar que a proposta do IR não deve avançar tão cedo, enquanto as medidas de contenção de gastos podem ser reforçadas.
Pires disponível que a autorização no IR gerou repercussão negativa não só pelo fator surpresa, mas também pelas características da medida. Segundo ele, a mudança custa caro e gera estímulos adicionais ao desonerar pessoas na base da pirâmide, que têm propensão maior ao consumo. Isso pode alimentar a inflação e levar o Banco Central a subir ainda mais a taxa de juros.
O anúncio do IR também ofuscou medidas externas às despesas, como a mudança na política do salário mínimo. Na avaliação de Pires, esse foi um “gesto importante”, dado que não é comum ver uma administração atrás em sua própria medida. A política havia sido aprovada no ano passado.
“Há um esforço adicional em cumprir as regras. O que ficou desequilibrado é uma preocupação com a repercussão política, tendo em vista que o horizonte eleitoral ainda está mais futuro”, afirma.
Luiz Fernando Figueiredo, ex-diretor do BC e presidente do conselho da Jive Investments, considera o pacote do governo insuficiente e prevê que “muito provavelmente” será necessário um novo ajuste fiscal de grande magnitude já na próxima administração.
Nos cálculos do economista, o país precisa de um ajuste recorrente de R$ 250 bilhões ao ano para que seja possível alcançar um superávit na ordem de 2% a 2,5% do PIB (Produto Interno Bruto). Caso contrário, o país não será capaz de estabilizar a dívida pública brasileira num horizonte próximo.
A dívida bruta fechou outubro em 78,6% do PIB e exibe uma alta acumulada de 4,2 pontos percentuais desde o início do ano. Antes mesmo da piora das condições financeiras com a divulgação do pacote, o próprio governo Lula já admitiu uma dívida brutal acima de 81% do PIB a partir de 2026, último ano do atual mandato do presidente.
Esse é um dos principais indicadores econômicos observados pelos investidores na hora de avaliar a saúde das contas públicas. A escalada da dívida para o patamar acima de 80% já foi considerada, em estudos do próprio Tesouro no passado, como insustentável para um país como o Brasil.
Na sexta, o ministro da Fazenda tentou recuperar a confiança do mercado e dos investidores ao dizer, no almoço com banqueiros, que o pacote “não é o ‘gran finale’ de tudo o que precisa fazer”.
Figueiredo não vê espaço para medidas mais robustas no atual governo. “Acho que tem pouco espaço para grande melhoria dentro deste mandato. Fora a área econômica, o governo inteiro é contra [um ajuste maior], o próprio presidente [Lula]”, diz.
Para Marianna Costa, economista-chefe da corretora Mirae Asset, faz sentido o governo mirar um prazo mais longo como meta ao desenhar uma política fiscal. No entanto, ela também ressalta que o pacote não soluciona o problema da trajetória crescente da dívida pública do Brasil. “Não está atacando questões de prazo mais longo, apesar de ter metas para 2030, e continua tendo uma política fiscal focada em aumento de arrecadação.”