Os “congelados” da novela “O Tempo Não Para” (Globo) não tiveram que se adaptar só às roupas e aos costumes dos tempos modernos. A novela mostra com bom humor que a língua portuguesa falada hoje é totalmente diferente da usada no século 19.
Durante o leilão de joias de Cesária (Olívia Araújo), Agustina (Rosi Campos), ao ver os lances dados pelas peças, solta a frase: “Vai encher a burra de cobres!”.
Damásia (Aline Dias), agora escrava liberta, não percebe o quanto está sendo explorada por Coronela (Solange Couto) e quando Elmo (Felipe Simas) questiona o contrato entre as duas, a mocinha diz com firmeza: “Sinhá tem razão, estou apalavrada com ela”, mantendo-se firme ao contrato verbal feito com a sua chefe.
Dom Sabino (Edson Celulari) reclama o tempo inteiro dos anglicismos (termos usados em inglês), muito utilizados hoje, e diz frases e palavras que deixam qualquer um cheio de interrogações na cabeça.
Não é fácil chegar a esse bom equilíbrio de termos antigos sendo ditos em tempos atuais. Ao contrário dos diálogos de novelas de época, o autor Mário Teixeira conta que se preocupou em usar palavras mais coloquiais, utilizadas mesmo no dia a dia daquele século.
“Algo que me seduz muito é quando as palavras fogem do dicionário”, conta o autor, lembrando que algumas palavras citadas pelos “congelados” nem no dicionário ele encontrou. “Só entendi o termo após se aprofundar no contexto do texto escrito.”
O autor diz que encontrou esses termos em livros da época. “Usei basicamente os livros da época, o ‘Quincas Borba’ [1891], o ‘Memorial de Aires’ [1908], livros do Machado de Assis, que têm mais a temperatura das ruas, menos intimistas que os livros mais conhecidos dele”, afirma Mario Teixeira, autor da trama.
Algumas publicações foram escolhidas a dedo e coincidem com a época do naufrágio do Albratroz, mostrado na trama no primeiro capítulo. “Sempre com o intuito do resgate de linguagem, usei muito Aluísio Azevedo [1857-1913] também, como o ‘Mattos, Malta ou Matta?’, romance publicado originalmente na revista A Semana, em 1885, um ano antes do naufrágio do Albatroz. Como foi publicado em forma de folhetim, é repleto de termos e locuções da época. Também me foram úteis as cartas de Álvares de Azevedo, bem como a sua poesia jocosa, que é rica em termos coloquiais”, explica o autor.
Com o decorrer da trama, os personagens devem soar um pouco mais modernos, mas é difícil que eles percam a sua essência, segundo o autor. “É normal que eles incorporem os termos da época, sem jamais perder a identidade léxica do seu tempo”, afirma.
De qualquer forma, os personagens vão continuar distribuindo amor como disse Paulina (Carol Macedo) a Marocas, sua amiga do século 19. “Você diz muitas palavras difíceis, mas eu te entendo seu olhar”.