Cheio de posts como esses, o Twitter do neurocirurgião Omar Ibrahim, 32, é um registro em tempo real do que está acontecendo em Idlib, região no noroeste da SÃria considerada o último bastião dos rebeldes que lutam contra o ditador Bashar al-Assad há oito anos. Desde abril, o regime e seus aliados –especialmente a Rússia– vêm fazendo uma forte ofensiva contra esse enclave onde ficou confinada a oposição, considerada terrorista por Assad. A área também está cheia de civis: estima-se que 3 milhões de pessoas vivam lá, 1 milhão delas, crianças. Organizações humanitárias vêm denunciando o ataque proposital a centros de saúde como o de Ibrahim. Na quarta (10), pouco antes de responder ao pedido de entrevista da Folha, ele postou: “Hoje cedo meu hospital foi alvo de um ataque aéreo enquanto eu estava trabalhando”. Foi o quarto bombardeio ao hospital Maarat al Numan, o único funcionando no sul de Idlib, desde 2016. Havia 200 pessoas no local. Ninguém morreu, mas o prédio foi danificado. No mesmo dia, outro hospital, uma clÃnica e um centro de ambulâncias foram atacados, gerando crÃticas do secretário-geral da ONU, António Guterres, que fez um apelo por respeito ao direito humanitário internacional. Segundo Ibrahim, dois meses atrás eles já tinham se mudado para o porão do edifÃcio, por motivo de segurança. Com isso, a capacidade de atendimento foi reduzida em 50%: conseguem tratar de 50 a 100 pacientes diariamente. Apenas casos de emergência extrema são aceitos. O local tem só cinco médicos. Para dar conta da demanda, Ibrahim dorme no próprio hospital e fica alerta 24 horas por dia. Algumas de suas postagens mostram sua rotina com os colegas –como a refeição do fim do Ramadã, que eles comemoraram com alguns doces e refrigerantes, entre uma cirurgia e outra. Ibrahim é egÃpcio e está na SÃria há cinco anos. Trabalhava em um hospital universitário em seu paÃs e largou tudo para ir para o meio da guerra. “Eu lia sobre a situação da população, que muitos médicos tiveram de sair, que faltavam cirurgiões. Decidi ajudar.” Juntou-se à ONG Sociedade Médica SÃria-Americana (SAMS, na sigla em inglês) e passou três anos em Aleppo, uma das cidades mais afetadas pelo conflito. Quando Aleppo foi evacuada, mudou-se para Idlib.O neurocirurgião trabalha em condições precárias, com escassez de materiais básicos. Já teve de tratar pessoas com sintomas que, segundo ele, indicavam ataque por armas quÃmicas. “Há dois anos, recebemos cem pacientes que acreditamos terem sido atingidas por gás sarin. Foi a primeira vez que vi esse tipo de coisa. O estado delas era muito, muito ruim.” Para manter a mente sã, ele reza, medita e tenta passar tempo com amigos. Diz que posta os casos no Twitter para compartilhar sua experiência, trocar informações com médicos e mostrar o que está acontecendo no conflito. Segundo Ibrahim, a ofensiva sobre Idlib “está piorando dia após dia”. “Tenho medo de que o hospital seja bombardeado de novo e pare de funcionar. Seria uma catástrofe.” Ainda não voltou para o Egito para visitar a famÃlia. Questionado por quanto tempo planeja ficar na SÃria, responde: “Pelo tempo em que eu for necessário aqui”.