
Mais de dois anos após o fim da coleta, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) ainda não divulgou os microdados do Censo 2022. Segundo o instituto, o atraso reflete o risco elevado de quebra de sigilo com o avanço da inteligência artificial. Novecentos e trinta e um dias após a apuração, os dados detalhados seguem restritos à academia e gestores públicos.
Documento interno do conselho diretor aponta vulnerabilidade nos protocolos atuais de confidencialidade. Em entrevista, o presidente do IBGE, Marcio Pochmann, afirmou que os microdados estão prontos. No entanto, a liberação foi adiada após análise técnica sobre risco de reidentificação de pessoas.
Ferramentas de IA permitem cruzar dados desnomeados e identificar indivíduos, segundo o instituto. Por isso, o IBGE estuda rever o que pode ser divulgado e em qual nível de detalhamento. Os microdados são a base mais detalhada do Censo e permitem análises profundas sobre a sociedade.
Mesmo sem nomes, a combinação de variáveis pode expor entrevistados a discriminação ou violações. Desde a Lei Geral de Proteção de Dados, em vigor desde 2018, o cuidado com anonimização aumentou. A norma exige uso de meios técnicos atualizados para impedir associação direta ou indireta a pessoas.
Inicialmente, os microdados seriam divulgados em 4 de dezembro deste ano. Depois, o IBGE adiou a publicação para 2026, sem data definida. Além da questão tecnológica, o atraso reflete crises enfrentadas pelo instituto desde a pandemia. Em 2021, o Censo quase não ocorreu após decisão do governo Bolsonaro de suspendê-lo.
A situação levou o governo do Maranhão a acionar o STF para garantir a pesquisa. O Supremo determinou a realização em 2022, mesmo sem orçamento suficiente. Naquele ano, os recursos caíram de R$ 2 bilhões para apenas R$ 53 milhões. A pesquisa só foi concluída com apoio de emendas parlamentares.
Durante a coleta, recenseadores enfrentaram resistência, ameaças e recusas da população. O questionário também foi reduzido, com retirada de temas como emigração internacional. Já no governo Lula, o instituto recebeu R$ 380 milhões para finalizar o levantamento. Desde 2023, os dados vêm sendo divulgados de forma gradual e agregada.
Mesmo assim, a falta dos microdados freou pesquisas científicas em universidades. Na USP, estudos sobre transformação social das metrópoles estão paralisados. Pesquisadores afirmam que dados de 2010 já não despertam interesse acadêmico. Na Unicamp, alunos recorrem a outras bases, mas perdem capacidade de análise detalhada.
Especialistas dizem que só os microdados permitem cruzar informações como fecundidade e religião. No campo religioso, a ausência impede entender quais denominações mais cresceram. Apesar das críticas, pesquisadores reconhecem o cuidado do IBGE com o sigilo.
Enquanto isso, técnicos já se preparam para o Censo de 2030. No caminho, ainda faltam o Censo Agropecuário e o levantamento da população em situação de rua. As divulgações estão previstas para 2027 e 2028, respectivamente.