
Congresso Nacional derrubou quase metade dos vetos presidenciais do presidente Lula (PT) analisados desde 2023, um patamar inédito nas últimas duas décadas. O índice supera o registrado no governo Jair Bolsonaro (PL) e indica uma mudança estrutural na governabilidade, com perda de controle do Executivo sobre a agenda legislativa e maior autonomia do Parlamento nas decisões centrais.
Levantamento da Folha, com base em dados do Senado, mostra que parlamentares analisaram 87 vetos em três anos e rejeitaram 43, o equivalente a 49%. O percentual representa uma ruptura com o padrão histórico, no qual a derrubada de vetos era pontual. Especialistas apontam que o número reflete não só fragilidade da base aliada, mas um novo desenho institucional.
Especialistas avaliam que o resultado consolida uma nova lógica do presidencialismo de coalizão. O Congresso passou a atuar de forma mais organizada, coesa e estratégica, impondo limites mais claros ao Planalto. Mudanças nas regras internas reduziram o custo político da rejeição de vetos, tornando o processo mais frequente e previsível na rotina legislativa.
Dados foram extraídos do Painel Legislativo Galileu, mantido pelo Senado Federal, e consideraram vetos totais e parciais desde 1999. Cada projeto foi contabilizado apenas uma vez, independentemente do número de dispositivos vetados. Textos ainda em tramitação ou mantidos integralmente foram excluídos, garantindo uma comparação consistente entre os diferentes governos.
Historicamente, nos mandatos de Fernando Henrique Cardoso e de Lula nos dois primeiros governos, a rejeição de vetos era rara. Entre 2000 e 2010, o índice variou de 1% a 1,6%. Em vários anos, nenhum veto foi derrubado, evidenciando um cenário de maior controle do Executivo sobre o Congresso e menor enfrentamento institucional.
Cenário semelhante marcou os governos Dilma Rousseff. Mesmo com aumento no número absoluto de vetos analisados, apenas 7 de 142 foram rejeitados, mantendo o percentual abaixo de 5%. O padrão começou a mudar no governo Michel Temer, quando o Congresso derrubou 21 vetos de 144, elevando a taxa para cerca de 15%.
Salto mais expressivo ocorreu durante o governo Bolsonaro, com 114 vetos rejeitados entre 258 analisados, o que levou o índice a 44%. Agora, sob Lula, o percentual avança ainda mais, consolidando uma tendência de fortalecimento do Legislativo. O presidente já anunciou veto ao PL da Dosimetria, mas corre risco de nova derrota no Congresso.
Segundo o professor Fernando Meireles, da Uerj, a mudança está ligada a alterações no regimento interno aprovadas em 2013. O prazo de 30 dias para análise passou a contar automaticamente, evitando o acúmulo de vetos. Além disso, sessões conjuntas ganharam data fixa mensal, tornando a rejeição um procedimento rotineiro.
Avaliação da professora Graziella Testa, da UFPR, aponta que o presidencialismo de coalizão no formato de 15 anos atrás não existe mais. O Congresso atua hoje de maneira mais coordenada e se posiciona com força diante do Executivo, que dispõe de menos instrumentos políticos para construir governabilidade no cenário atual.
Analistas veem ainda fatores conjunturais. Para o cientista político Rafael Silveira, do IDP, a tendência futura dependerá do resultado eleitoral de 2026. Uma vitória ampla de Lula pode ampliar seu poder de barganha. Já uma disputa apertada tende a manter percentuais elevados de vetos derrubados e tensão entre os Poderes.