A biografia da confeiteira Desirée Mendes seria um drama de reviravoltas. O texto poderia começar com uma cena de 11 de janeiro deste ano, uma segunda-feira ensolarada na cracolândia. Vestida com um avental e uma touca branca, ela caminhava pela região onde passou boa parte de sua vida e onde, agora, vai abrir seu próprio negócio. Respondia a mensagens no celular enquanto usuários de crack fugiam do jato de água manipulado por um funcionário da prefeitura. Na calçada da rua Helvétia, ela diz: “Todo mundo pira na minha história, só eu é que não gosto dela”. A sequência poderia descrever o mesmo local, mas na noite do dia 17 de janeiro de 2012. Prefeitura e o governo do Estado faziam mais uma operação policial, prometendo acabar com o consumo e venda de crack que ocorre ali desde os anos 1990. Desirée era dependente da pedra havia 22 anos – 16 deles morando na cracolândia -, tinha sido internada para tratamento 19 vezes e presa outras 11. Naquele dia, descobrira que o ex-companheiro, pai do filho que carregava na barriga, estava infectado com o vÃrus HIV. Para ela, a perspectiva de ter também a doença era uma condenação à morte – e a morte viria por suas próprias mãos. Comprou R$ 100 em pedras de crack. Decidiu fumá-las até morrer. Mas aà vem a primeira reviravolta: dois policiais civis prenderam-na numa esquina. “Foi o que salvou minha vida. O que era o fim virou um começo”, diz. Grávida, foi parar na cadeia e, depois, acabou condenada a seis anos de prisão por tráfico de drogas. Na cela, ela decidiu abandonar o vÃcio. Nas suas palavras, essa cena é dramática: “Estava chovendo muito, e eu grávida. Por trás das grades, olhei a lua como se ela fosse Deus, e falei que iria parar. Nunca mais fumei crack”. Neste ponto, a história poderia avançar até o momento atual. Desirée hoje tem 40 anos e é uma confeiteira de sucesso: além de vender doces e bolos por encomenda, atua como arte-educadora no Recomeço, programa estadual de recuperação de dependentes de crack. Todas as manhãs, ela retorna à cracolândia e dá aula de gastronomia para os usuários que quiserem participar – fazem bolos, tortas, doces. A oficina funciona como uma porta de entrada para o tratamento. “É redução de Quando o dependente está aqui comigo, na aula, ele não fuma crack”, explica. Desirée anda como uma rainha pelo fluxo, como é conhecida a área de consumo e venda de crack na rua Helvétia. Usuários correm para abraçá-la, beijá-la, pedir conselhos. Para eles, ela é um exemplo, alguém que conseguiu sair do vÃcio. Essa atenção com os usuários, muitos deles pessoas com quem Desirée dividiu pedras, é o que parece construir o respeito que eles têm por ela. Funcionários do Recomeço contam que, meses atrás, um garoto de 12 anos, viciado, discutia com outras pessoas no fluxo, que ameaçavam espancá-lo. Sob efeito da droga, o menino alimentava a briga com xingamentos. Desirée foi até o local, retirou o garoto e colocou-o em seus braços, como um filho. O menino dormiu nos braços da confeiteira. “Até hoje ele me procura”, lembra ela. Mas não é no Recomeço que está o grande sonho de Desirée. Nos próximos meses, ela vai abrir uma cafeteria, na alameda Glete, a poucos metros da unidade onde ajuda usuários. Será seu primeiro negócio como empreendedora. Terá como sócia a empresária (e amiga) Jaqueline Alves.