A base do presidente Luiz Inácio Lula da Silva atuou mais contra o governo do que a oposição na tramitação de medidas provisórias. O PT e mais quatro partidos aliados do Palácio do Planalto propuseram proporcionalmente número maior de alterações em textos enviados pelo petista ao Congresso do que o PL de Jair Bolsonaro.
Rede, União Brasil, PSOL, PT e PDT têm 16 ministérios e, mesmo assim, articularam mudanças em textos de autoria de Lula. Líderes minimizam o movimento dos aliados, enquanto cientistas políticos afirmam que a investida da base evidencia a falta de articulação política do governo.
Dados compilados pela reportagem com base nas emendas apresentadas às 21 MPs já assinadas por Lula, com o nome dos autores e o respectivo partido, mostram que o PL de Bolsonaro tem média de 2,59 propostas de alteração por cada congressista. No PT de Lula, a média é de 3,14. O cálculo proporcional considera o total de emendas propostas por cada sigla em relação ao tamanho da bancada no Congresso.
Em números absolutos, o ranking de legendas que mais tentaram desfigurar medidas provisórias tem PL, PT – partido do presidente – e União Brasil, que comanda três pastas: Comunicações, Turismo e Integração e Desenvolvimento Regional. Com 111 deputados e senadores, o PL apresentou 287 propostas, enquanto o PT, com 76 congressistas na Câmara e no Senado, fez 239 sugestões.
Mesmo que não sejam acatadas, as emendas têm a função política de mostrar ao eleitorado que o autor opera em defesa de interesse específico, não necessariamente alinhado com o governo. Com força de lei, uma MP vale por até 120 dias e é editada pelo presidente em caso de matérias relevantes e urgentes – espera-se, portanto, que a base aliada apoie a iniciativa.
No entanto, na MP do Minha Casa, Minha Vida, a que mais recebeu emendas até agora, petistas tentaram, por exemplo, colocar como prioridade do programa determinados segmentos da sociedade, como mulheres negras e famílias com pessoas com síndrome de Down. Na MP do Mais Médicos, a segunda com mais emendas, o PT tentou incluir um trecho para estimular o Ministério da Educação a aumentar as vagas em Medicina no sistema federal de ensino superior. Nenhuma das mudanças citadas foi aceita pelos relatores.
‘Hora da votação’
O líder do PT na Câmara, Zeca Dirceu (PR), tentou minimizar a pressão dos correligionários sobre as MPs de Lula. Ele afirmou que a apresentação de emendas não impacta a tramitação dos textos. “O que conta é a hora da votação”, disse. “O PT tem uma tradição democrática muito forte, de divergências internas, mas ao mesmo tempo de muita unidade após as decisões coletivas. Assim funciona a bancada”.
Zeca Dirceu mencionou a votação do novo arcabouço fiscal, com o apoio da bancada petista. Aprovadas no dia 23 de maio na Câmara, por 372 votos contra 108, as regras que tentarão controlar os gastos públicos foram criticadas por petistas defensores de normas mais flexíveis, que, na prática, podem elevar despesas.
As alas mais à esquerda do PT têm divergido do governo sobretudo nesses temas econômicos. Na discussão sobre a reoneração dos combustíveis, por exemplo, a presidente da legenda, deputada federal Gleisi Hoffmann (PR), colocou-se publicamente contra a MP, também defendida por Haddad.
O líder do União Brasil, deputado Elmar Nascimento (BA), também tentou minimizar o alto número de emendas dos congressistas da legenda. “Os deputados têm liberdade para oferecer sugestões aperfeiçoando o texto. Não quer dizer que serão aproveitadas”, disse à reportagem.
O parlamentar que mais apresentou emendas às MPs editadas por Lula foi Túlio Gadelha (Rede-PE), integrante da base do governo na Câmara. Correligionário da ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, Gadelha propôs 53 alterações em medidas do Executivo. Questionado pela reportagem sobre o motivo que o levou a sugerir as mudanças nas MPs, ele não se manifestou.
Articulação política
Na avaliação do cientista político e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV-SP) Marco Antônio Carvalho Teixeira, os dados compilados pelo Estadão/Broadcast revelam a falta de articulação da gestão petista. “Fica evidente que o governo está sem coordenação no Congresso, (o ministro Alexandre) Padilha não está conseguindo imprimir interlocução, acordos, que resultem em algum grau de consenso”, disse.
Teixeira cita como exemplo de resistência as novas regras fiscais. “A gente vê que o próprio PT votou sob protesto no arcabouço. Está difícil para o governo dentro do seu próprio quintal”, afirmou o cientista político.
Além do arcabouço, em razão da crise na articulação política, Lula quase viu caducar na Câmara a MP dos Ministérios. O texto foi aprovado, mas o petista admitiu que houve riscos e recebeu a orientação do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), de que ele deve assumir a coordenação política com o Congresso. Lula determinou a liberação de emendas parlamentares – já foram R$ 5,5 bilhões neste ano –, além de ordenar nomeações no governo para acalmar o Centrão.
Para o consultor político João Henrique Hummel, diretor-executivo da Action Consultoria, Lula não tem, nesse contexto de disputa no Congresso, como ceder às demandas do PT. “O governo precisa de voto, e o Congresso é de direita. O governo vai ter de abandonar o PT de esquerda radical e buscar mitigar danos para conseguir fazer alguma coisa, com cabeça de direita. Se não for assim, não vai para frente (a articulação política). O PT tem 80 votos (contando a federação com PCdoB e PV são 81 deputados), não tem nem um bloco”, afirmou Hummel.