Pela primeira vez, astrônomos do mundo todo observaram uma fusão de estrelas de nêutrons, fenômeno que também criou ondas gravitacionais. A detecção das ondas gravitacionais foi associada à luz emitida pela fusão das estrelas. O fenômeno ocorreu na constelação austral de Hidra, na galáxia NGC 4993, a 130 milhões de anos-luz da Terra. Anteriormente, os pesquisadores haviam observado a fusão de buracos negros, mas o acompanhamento da fusão de duas estrelas de nêutrons foi inédito. A fusão gerou um objeto celeste chamado kilonova. O telescópio brasileiro T80-Sul, localizado em Cerro Tololo Inter-American Observatory, no Chile, participou da campanha de observação da fusão com mais 70 observatórios no mundo, que miraram no mesmo ponto de Hidra. Para a comunidade científica, as descobertas já geram impacto imediato. “Esse é um evento histórico, que traz uma riqueza enorme em várias áreas da astronomia e astrofísica”, comemora a professora e pesquisadora do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG), da Universidade de São Paulo (USP), e coordenadora do Projeto T80-Sul, Claudia Mendes de Oliveira. “Por exemplo, esse objeto que se formou [uma kilonova] tem um brilho decrescente devido ao chamado processo R, de formação de elementos químicos no universo que não sabíamos como eram formados. São elementos químicos pesados que fazem parte dos planetas, como da própria Terra, elementos que são formados somente nesse momento de fusão de estrelas de nêutrons, algo único que só pode ser estudado com este fenômeno”, explicou a pesquisadora. De acordo com ela, entre os elementos formados estão o ouro, a platina e o urânio. O anúncio da descoberta foi feito nesta segunda-feira (16), durante uma coletiva de imprensa no IAG, que contou também com a transmissão da coletiva concedida por cientistas norte-americanos direto
O fenômeno de fusão de estrelas foi acompanhado e investigado ao longo de todo o espectro eletromagnético, de rádio e raios gama, em uma campanha com a participação de milhares de cientistas e 70 observatórios, envolvendo telescópios espaciais e terrestres. “A riqueza da observação foi que esse evento foi visto em diferentes comprimentos de onda, em diferentes frequências, com uma riqueza de dados que ainda vai ser estudada e muitos resultados ainda virão”, avalia a professora.
O alerta do evento foi emitido no dia 17 de agosto deste ano pelo telescópio espacial de raio gama Fermi, da Nasa (National Aeronautics and Space Administration, nos Estados Unidos). No entanto, a identificação do objeto em luz visível só foi feita depois de 10 horas de ocorrido o evento pelo time do telescópio Swope, situado em Las Campanhas, no Chile. A partir de determinada a localização do objeto, o T80-Sul foi programado para observar essa parte do céu.
Telescópio brasileiro
O telescópio brasileiro acompanhou e caracterizou a evolução do brilho do objeto em diferentes regiões do espectro visível. O objeto foi observado ao longo de 80 minutos, após 35 horas da fusão de estrelas de nêutrons, no começo da noite de 18 de agosto. “O evento gerou ondas gravitacionais e gerou luz. Assim, pudemos tirar uma imagem do objeto igual às que tiramos com uma máquina fotográfica. Com o telescópio, tiramos uma imagem e isso foi a primeira vez que ocorre”, ressalta Claudia de Oliveira. “Ondas gravitacionais já haviam sido detectadas anteriormente, mas foi a primeira vez que se detectou luz ao mesmo tempo da onda gravitacional”, completa.
O objeto formado tem o nome de kilonova. “É um objeto que está diminuindo o seu brilho muito rapidamente, exatamente por causa do decaimento que vai dar origem a esses novos elementos químicos. Ele tende a sumir nas imagens porque foi diminuindo de brilho e fica abaixo do limite de detecção”, esclarece Cláudia. “Com a informação do objeto que se formou, saberemos a natureza dele, a formação dos elementos novos e todas as outras informações, porque vemos o objeto. Essa é a grande novidade deste evento”, celebra.
Para o diretor do IAG, da Universidade de São Paulo (USP), Pedro Leite da Silva Dias, as descobertas científicas têm um nível de interação importante. “O desenvolvimento das tecnologias tem impacto em várias áreas do conhecimento, inclusive na ciência da saúde, um exemplo é o tomógrafo”, ressaltou.
Mapeamento do céu
Localizado nos Andes chilenos, o telescópio brasileiro T80-Sul começou a funcionar em 2016, realizando o Projeto S-Plus (Southern Photometri Local Universe Survey), de mapeamento do céu do Hemisfério Sul.
O diferencial do telescópio robótico é que ele observa uma grande parte do céu do Hemisfério Sul. Em uma única observação o telescópio cobre o equivalente à área de 10 luas cheias. “O telescópio tem um campo de visão muito grande, e para este tipo de ciência é muito importante para a detecção da contrapartida ótica das ondas gravitacionais”, informa Cláudia.
Segundo a pesquisadora, o céu inteiro são 40 mil graus quadrados. “O telescópio tem capacidade para observar um quinto do céu, ou seja, 8 mil graus quadrados. Além disso ele tem um conjunto de 12 filtros e os telescópios normalmente têm até cinco filtros, então nos dá informações que os outros telescópios não dão, apesar de que é uma informação dada no universo local, dos objetos que estão próximos, mas é uma informação bem diferenciada por ter 12 filtros, ou seja, tem maior resolução espectral”.
O investimento é de mais de US$ 3 milhões e é financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), Observatório Nacional, Universidade de São Paulo, Universidade Federal de Sergipe e Universidade Federal de Santa Catarina.
Ondas gravitacionais
As ondas gravitacionais são ondulações no espaço-tempo, onde ocorrem os eventos do universo, produzidas por eventos energéticos como colapsos de núcleos de estrelas por fusão de buracos negros, por exemplo. O evento foi previsto pela Teoria da Relatividade Geral, formulada pelo físico Albert Einstein há mais de 100 anos.
Há até dois anos, elas não tinham sido detectadas, mas em setembro de 2015 o Observatório de Ondas Gravitacionais por Interferência Laser (Ligo, a sigla em inglês) conseguiu a façanha, o que rendeu o Prêmio Nobel de Física de 2017 aos professores Rainer Weiss, Barry Barish e Kip Thorne. Com informações da Agência Brasil.