Sem receber herança nem abrir um negócio, Luiz Barsi virou bilionário. Fez sua fortuna investindo em ações. Filho de imigrantes espanhóis, foi de engraxate na infância a um dos maiores investidores do Brasil, o que lhe rendeu o apelido de “rei da bolsa”. Barsi garante que qualquer pessoa que seguir sua estratégia é capaz de enriquecer como ele, mas, assim como sua trajetória, suas dicas também são bastante incomuns: concentrar todo o dinheiro nos papéis de uma só empresa, não vendê-los e fugir da renda fixa.
Antes de a crise do coronavírus derreter os mercados, a fortuna de Barsi era estimada em R$ 2 bilhões em ações. Ele não nega, nem confirma a cifra: “Já tive R$ 3 bilhões, mas também já tive R$ 500 milhões. Não faço a conta”. Diz não dar a mínima para o patrimônio, que segundo ele só alimenta o ego, e quer saber mesmo é dos dividendos pagos pelas empresas nas quais investe.
Apesar da gorda conta bancária, Barsi não ostenta. Esqueça os ternos bem cortados e as abotoaduras: da estética “investidor Faria Lima”, adota apenas o gel para pentear os cabelos prateados para trás. Normalmente, usa camisetas polo e mantém hábitos simples como ir de metrô para o trabalho, no centro de São Paulo. Aos 81 anos, preside o Conselho Regional de Economia de São Paulo (Corecon-SP).
Pela fortuna e pelo estilo de vida modesto, é comparado ao também octogenário Warren Buffett, dono de cerca de US$ 70 bilhões e terceiro na lista de mais ricos do mundo da Forbes, e é descrito ainda por pessoas próximas como uma espécie de Tio Patinhas, personagem da Disney.
Sr. Barsi, como é chamado, não saiu direto engraxate para megainvestidor, é claro. Órfão de pai ainda bebê, fez outros bicos desde cedo para ajudar a mãe a pagar as despesas, como o de aprendiz de alfaiate. Mas conseguiu se formar técnico em contabilidade (e, mais tarde, economista) e já trabalhava em uma corretora quando desenvolveu no início dos anos 1970 o método que o tornaria famoso décadas depois, apelidado de “carteira previdenciária de ações”.
Foi justamente ao trabalhar como operador que ele percebeu que não ficaria rico nem teria uma aposentadoria confortável apostando no sobe e desce dos papéis. Via investidores “ganharem o equivalente a um carro em único dia, mas ficarem sem dinheiro sequer para a gasolina no outro”. Decidiu, então, que seria um “pequeno dono” de empresas sustentáveis e que, no longo prazo, viveria do lucro que elas repartissem.
Dividendos a perder de vista
A estratégia que ele criou é simples, mas leva tempo: comprar mil ações de uma mesma empresa mensalmente durante 30 anos. A partir do oitavo mês, segundo Barsi, os dividendos recebidos são suficientes para reinvestir e não é mais necessário tirar dinheiro do bolso. Depois de 10 anos de “paciência e disciplina” seguindo essa fórmula, diz que estava aposentado. “Não como desejava, mas já não precisava mais trabalhar”.
A primeira empresa na qual investiu com esse propósito foi a Companhia Energética de São Paulo (CESP). Tinha a meta de ter 100 mil ações, que foi alcançada e superada – chegou a ter 1 milhão. Ainda hoje, diz continuar com o procedimento, apesar de agora comprar em volumes exponenciais. Como resultado, afirma receber uma quantia “sem condições de gastar” em dividendos.
Só da estatal de energia Eletrobras recebeu em 2019 R$ 4 milhões em lucros distribuídos. “Sem trabalhar, sentado nesta cadeira, a Eletrobras me dá o equivalente a R$ 300 mil por mês. É um ‘salarinho’ razoável, né?”, brinca.
Seguindo essa lógica, Barsi diz ter na carteira ações compradas há quase 50 anos – entre elas as do Banco do Brasil, do qual é o maior acionista individual, e das empresas de papel e celulose Klabin e Suzano.
Por outro lado, reconhece que algumas de suas apostas não foram tão longevas. Não por algum erro de cálculo, afirma, mas porque as empresas não vingaram. Cita perdas com participações que teve nos bancos Econômico, Nacional e Progresso, que quebraram nos anos 1990, depois da instituição do Plano Real.
“Foram três perdas que eu tive que sustentar, mas que não me abalaram porque eu continuava com os outros papéis. Eu nunca perdi nada porque comecei do zero e aquilo que me foi tirado foi parte do que ganhei do mercado”, diz.
Além dos investimentos de longo prazo, Sr. Barsi também admite, claro, ter um caixa reservado para oportunidades de “comprar na baixa e vender na alta”. Conta por exemplo, ter comprado Petrobras a R$ 4,90 e depois vendido a R$ 24 há alguns anos, e diz ter aproveitado a derrocada da bolsa em março para adquirir “tudo o que podia”. É um mistério, porém, de quantas (e de quais) ações ele nunca abre mão e com quais “brinca” no mercado.
Também não está claro quando ele começou a diversificar seu portfólio (e qual seria o momento certo para fazer isso), já que garante que o segredo do seu sucesso foi ter começado concentrando o capital – algo que planejadores financeiros jamais recomendam.
Hoje, no entanto, tem participações conhecidas em um punhado de empresas, como Eletrobras, Grupo Ultra (do setor de distribuição de combustíveis), Itaúsa (holding que controla o Itaú), a concessionária Transmissão Paulista, a fabricante de materiais de construção Eternit, e as químicas Unipar Carbocloro e Braskem.
Até quando questionado se mesmo os investidores iniciantes devem ir à bolsa focados em uma única empresa, Barsi é categórico. “Todo mundo fala que é necessário pulverizar, aí o Barsi vai falar pra você: todo mundo está errado, porque todo mundo não chegou aonde eu cheguei. Eles não chegaram porque não fizeram o que eu fiz, fizeram o que eles fazem”.
Caçula do “rei da bolsa” e maior propagadora das ideias dele, Louise Barsi traduz a lógica do pai e explica que a hora de diversificar é diferente para cada pessoa. Segundo ela, para que a estratégia dele funcione é necessário seguir as companhias de perto, estudar seus balanços, participar das teleconferências com acionistas – o que pouca gente faz.
“O investidor tem que se sentir confortável. Será que ele consegue acompanhar três empresas ao mesmo tempo? Enquanto não ganha uma musculatura, pode acompanhar só uma. Quando já tem frequência, pode se aventurar por mares nunca antes navegados”, diz. Louise pondera ainda que diversificar é diferente de pulverizar. “Se você investe R$ 500 em 20 empresas, não ganha nem com a valorização dos papéis, nem com os dividendos.”
Louise, de 25 anos, é a única dos cinco herdeiros de Barsi que trabalha no mercado financeiro, “a raspa do tacho que vai assumir os negócios”, nas suas próprias palavras. Chegou a trabalhar como analista na corretora Elite, onde o pai opera há décadas, mas hoje comanda junto com dois sócios um programa para formar investidores que querem aplicar com foco em dividendos como seu pai, o “Ações garantem o futuro”. O nome do projeto é o mesmo do livro em que ele publicou seu método pela primeira vez, em 1972.
É ela a responsável por recentemente transformar o discreto investidor que responde e-mails em caixa alta em uma pequena celebridade das redes sociais, onde vez ou outra aparece em vídeo para comentar os rumos do mercado e dar dicas.
Mas nem mesmo Louise leva todos conselhos do pai ao pé da letra. Diz que até ela, que já se considera uma “jovem aposentada”, não pode abrir mão da renda fixa – chamada pelos dois de perda fixa.
“Ele de fato tem 100% do capital na renda variável porque tem uma posição tão grande que o caixa dele são os proventos. Obviamente, quem ainda não chegou lá, caso de 99% dos investidores, assim como eu, tem que ter, sim, uma parcela na renda fixa. O intuito é de reserva. Esses recursos, para o investidor comum, não podem ir de jeito nenhum para a renda variável”.
Guru disputado
O tempo de Luiz Barsi é disputado e passa num ritmo próprio: ele é um ótimo contador de histórias. As entrevistas que dá pessoalmente se alongam por horas. A conversa com o CNN Brasil Business, por exemplo, durou mais de duas – e, durante, ele até recebeu e aconselhou um investidor – que esperou por quase duas horas para ser atendido.
Era o procurador Eduardo Fronzaglia, 29, que tem Barsi como um mentor. Opera na mesma corretora que ele e também investe na bolsa com foco em dividendos. Tem papéis de algumas empresas, como a Itaúsa, a companhia de transmissão de energia Taesa e, mais recentemente, da resseguradora IRB. Mas 95% do seu patrimônio está concentrado na geradora de energia AES Tietê. “Ele é apaixonado pela AES, você vai ver”, diz Barsi, antes de mandá-lo entrar no escritório do Corecon, onde a entrevista acontecia.
Fronzaglia estava preocupado com a possibilidade de a concorrente Eneva (ex-MPX) comprar a AES Tietê (as duas empresas negociam uma fusão). Barsi disse não acreditar no fechamento do negócio e garantiu que, como acionista, votará contra. Mas ponderou que naquele momento (6 de março, antes da derrocada da bolsa) havia oportunidades melhores no setor de energia e que estava trocando seus papéis da companhia pelos da Transmissão Paulista – e aconselhou que ele fizesse o mesmo.
“Você não quer vender porque pega amor, eu sei como é, eu também pego. Mas às vezes a gente tem que se divorciar. Porque os amores, eles traem”, disse Barsi ao pupilo.
O procurador diz ter contrariado a recomendação e ficado com as ações. Depois, por telefone, explicou seu raciocínio a Barsi, que, no fim, teria concordado com ele. “Ele é um mito, a vida dele se confunde com a história da bolsa. Tem sido fundamental na minha evolução, mas preciso aprender a andar com minhas próprias pernas”, diz.
Opiniões controversas
Apesar da fala pausada e calma, Barsi não poupa críticas. Alfineta economistas, políticos, bancos, fundos e a própria bolsa.
Afirma, por exemplo, que os fundos não são o melhor instrumento para entrar no mercado de capitais porque sempre resgatam benefícios para eles mesmo através das taxas de administração, em vez de focar nos interesses dos clientes. E que corretoras e gestoras recomendam o investimento neles porque, ao contrário do que acontece com ações, é possível comprar e vender fundos sem ser taxado.
“O brasileiro tem aversão a pagar imposto. Eu adoro pagar imposto porque é sinal de que eu ganhei, entende?”, diz. Apesar disso, é contrário a um possível tributo sobre dividendos: “Esse, não!”
Diz algo parecido dos bancos, que em sua opinião administram recursos em benefício próprio, e não do mercado. Já a B3, define como “um monopólio com privilégios odiosos”, que estimula a especulação e não o investimento real nas empresas.
Defende ainda que a reforma que o país mais precisa para deslanchar é a política, e que ela não será feita porque os parlamentares jamais darão um “tiro no próprio pé”. “Uma reforma nunca será via democracia. Tem que ter alguém com mais poder”, afirma. Perguntado se faz referência a militares, diz que não, mas elogia a ditadura.
“Os militares foram muito bons para este país porque eles acabaram com uns germes que tinham aí e que voltaram todos: Lula, Fernando Henrique, José Serra… Eles eram um lixo, porque defendiam uma posição que o Brasil não tinha condições de sustentar. Veja que quando esses pequenos germes voltaram, eles criaram uma constituição que até hoje penaliza o cidadão e o país”.
Critica também mecanismos de distribuição de renda como o Bolsa Família e diz que benefício social de verdade é dar segurança, cultura, emprego e saúde para a população. Para ele, ao “dar o peixe sem ensinar a pescar”, o governo promove uma “etiopização” do país. “Eles falaram para o cidadão: a cada filho que você tiver você ganha um salário família. Então a mulher brasileira começou a pensar assim: bom, onde come um, comem 10, então eu vou ter 10 filhos”.
Não é o que mostram as pesquisas. Segundo os dados mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o número de crianças de até 14 anos nas famílias brasileiras caiu 10,7% de 2003 a 2013. Porém, entre os 20% mais pobres (faixa que recebe a ajuda), a queda foi ainda maior, de 15,7%.
A economistas renomados, chama ironicamente de “poetas”. Cita várias vezes o ex-ministro da Fazenda do período militar, Antônio Delfim Netto. Conta que, em 1972, quando publicou o estudo “Ações garantem o futuro” como uma alternativa ao sistema de aposentadoria brasileiro, que já se desenhava insustentável no longo prazo, sugeriu a um interlocutor que apresentasse sua teoria ao “patrão”, como Delfim era chamado. Teria ouvido como resposta que ele só se interessava por teses que vinham da Universidade de São Paulo (USP).
“O professor Delfim foi nocivo para este país porque ele não soube escutar. Hoje ele é cultuado, mas é um cara aposentado do Estado”, diz. “(Acadêmicos) são todos funcionários públicos. Eles vivem de um salário aí de R$ 15 mil, R$ 20 mil. Então, eu estou 100 vezes melhor do que eles”, diz orgulhoso.
Delfim Netto é sucinto ao comentar sobre Barsi. Antes mesmo de ouvir as farpas disparadas contra ele, resume: “Ele é um homem de boa imaginação e muita sorte.”