No Brasil, mais de 70% dos alunos da educação básica têm aulas de inglês com professores sem formação adequada para ministrar a disciplina —a maior parte dos docentes tem apenas licenciatura ou bacharelado em letras.
Desde o ano passado, as aulas de inglês se tornaram obrigatórias para todos os alunos do país a partir do 6º ano do ensino fundamental. Um levantamento feito pelo British Council, organização internacional do Reino Unido, mostra que, apesar de as escolas terem amplamente se adequado para ofertar o idioma, a maioria recorreu a professores de outras disciplinas.
Segundo a pesquisa, apenas 29,42% das turmas de inglês estão com docentes com a titulação adequada, isto é, ou que tenham cursado licenciatura de letras em inglês ou com dupla titulação (português-inglês) ou ainda com bacharelado nessas duas áreas com complementação pedagógica concluída em língua inglesa.
Das turmas ministradas por quem não tem formação adequada, 39,9% está com docentes formados em cursos de letras, sem o componente da língua inglesa. Há ainda 8,8% de salas em que os professores não têm nem mesmo ensino superior completo.
O estudo mostra que a inadequação da formação na disciplina ocorre de forma generalizada em todas as regiões do país e em todos os tipos de escola. A rede privada tem a maior proporção de turmas com professores sem ensino superior, 17,7%.
As escolas da rede federal têm a maior proporção, com 61,3% das turmas, mas essas unidades são responsáveis pela menor parcela da matrícula dos estudantes da educação básica do país.
Nas redes estaduais de ensino, que concentram a maior parte das matrículas em que o ensino de inglês é obrigatório, nenhuma tem proporção considerada ideal de turmas com professores com formação adequada. Sergipe é a que tem a maior parcela, com 80,77% das turmas.
São Paulo, que tem a maior rede estadual de ensino do país, é a que tem a menor proporção. Só 0,9% das turmas estão com professores com a titulação esperada para a disciplina.
Em maio, o governador João Doria (PSDB) anunciou que o inglês passará a ser obrigatória nas escolas estaduais a partir do 1º ano do fundamental em 2022, mas não informou quais professores serão contratados para as aulas.
“O inglês sempre teve um papel marginal na educação básica, como se fosse uma disciplina menos importante. Por isso, muitos dos professores que dão aula do idioma são aqueles que foram contratados para dar aula de português e acabam complementando sua carga horária com o inglês”, diz Cintia Gonçalvez, responsável pela pesquisa.
A obrigatoriedade do ensino de inglês foi definida em 2018, quando a BNCC (Base Nacional Comum Curricular) foi aprovada como o conteúdo mínimo a ser aprendido por todos os estudantes brasileiros.
A ausência da disciplina era vista como um entrave para a ascensão da população mais pobre, já que a fluência na língua é exigida para os melhores postos de trabalho e no ensino superior. A precariedade do ensino, no entanto, continua a prejudicar os estudantes.
“Há um consenso de que o inglês colabora para a formação do cidadão, abre oportunidades de trabalho e conhecimento. Mas, para que isso de fato ocorra, não adianta só ter a disciplina na escola, ela precisa ser bem ensinada”, diz Gonçalvez.
Uma análise feita pela Folha mostrou que a prova de inglês do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) é o principal obstáculo para os alunos de escola pública entrarem no ensino superior.
“No Brasil, há a percepção de que não se aprende inglês na escola regular, de que o aprendizado só é possível para quem pode pagar um curso de idioma. A formação dos professores que dão aula hoje nas escolas mostra que essa percepção não está totalmente errada.”
O levantamento mostra ainda a sobrecarga dos professores. Os docentes lecionam, em média, para 12,66 turmas, sendo que 5,73 são inglês e o restante de outras disciplinas. A maioria também atua em mais de uma etapa de ensino e em escolas diferentes.
“É um cenário muito perverso para o professor. Além de não atuar na disciplina para a qual foi formado, ele acumula diversas turmas, mais de uma disciplina. Esse docente precisa preparar diversas aulas sem ter o apoio necessário”, diz Vander Viana, professor associado da Universidade de East Anglia e um dos pesquisadores do estudo.
Para os pesquisadores, a melhora do ensino de inglês depende da contratação de profissionais com formação adequada, mas também pode ocorrer se as redes de ensino oferecerem oportunidades de qualificação para os docentes que já ministram a disciplina.
“Os dados mostram que é preciso contratar mais professores, já que há uma sobrecarga de trabalho. E não apenas contratar mais, mas melhor. Além disso, é possível pensar em estratégias para que esses docentes possam fazer uma complementação, uma segunda graduação”, diz Gonçalvez.
O estudo feito pelo British Council usou dados do Censo Escolar 2020 e do Censo do Ensino Superior, feitos pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais). As informações são fornecidas pelas próprias escolas e redes de ensino.
Apesar da obrigatoriedade do ensino de inglês a partir do 6º ano, o Brasil não tem nenhuma política nacional de apoio aos estados e municípios para a formação ou complementação dos professores dessa disciplina.
Também não há no país nenhuma avaliação que meça a qualidade do ensino de inglês. A Prova Brasil, principal mecanismo para medir o desempenho dos estudantes, só tem questões de matemática e português.
Questionado se estuda ações para melhorar a qualidade do ensino de inglês no país, o MEC (Ministério da Educação) não respondeu.
Já a Secretaria de Educação de São Paulo, estado com o menor percentual de professores com formação adequada, diz não comentar “estudos cuja metodologia desconhece”, ainda que os dados tenham sido fornecidos pelas próprias escolas.
A pasta informou ter “mais de 13 mil professores com formação em inglês em nível superior e/ou pós-graduação” e afirma ter implantado neste ano um projeto, ainda em fase piloto, chamado “Inglês para Todos”, que consiste em capacitação e reconhecimento de competências para 1.200 docentes. A previsão é de ampliar o projeto para 18 mil professores no próximo ano.
Isabela Palhares/Folhapress