As cinco empresas de lítio no Vale do Jequitinhonha, região que abriga as maiores reservas do mineral no país, apenas uma é brasileira. As demais são canadenses, americanas e australianas, ainda que seus ativos estejam no Brasil e seus executivos ou fundadores sejam brasileiros.
Esse cenário aparentemente contraditório se repete em outras regiões do país e com outros minerais –alguns cruciais para a fabricação de carros elétricos, turbinas eólicas e painéis solares.
A razão principal é a facilidade com que mineradoras pré-operacionais, conhecidas como “júnior mining companies”, têm para se listar em Bolsas de Valores Estrangeiras, em especial na Austrália e no Canadá –países líderes na mineração. O impacto faz com que esses países arrecadem impostos e atraiam investidores que, naturalmente, viriam para o Brasil caso as empresas fossem exclusivamente específicas do país.
Agora, porém, o setor tem sido movimentado para convencer o mercado financeiro brasileiro a abrir as portas para essas empresas. É uma demanda antiga, mas a busca por minerais críticos da transição energética tem ajudado a mobilizar os atores cruciais: Bolsa, governo e investidores.
Em outubro, um evento organizado pela B3 reuniu nomes importantes da mineração para discutir o assunto. Estiveram lá CEOs de mineradoras, investidores de gestores de investimentos e o ex-ministro da Fazenda Joaquim Levy, hoje diretor de relações com mercados do banco Safra. Semanas depois, a B3 assinou uma parceria com a Bolsa do Canadá para estudar o tema.
O impulso na discussão foi dado pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). O banco criou junto com a Vale, no mês passado, um fundo para investir em mineradoras juniores, principalmente projetos focados em minerais de transição energética, como lítio, cobre e níquel.
A ideia é aumentar no mínimo R$ 1 bilhão, mas o ânimo do setor com a entrada do banco nesse mercado vai além das cifras. Isso porque, como BNDES e Vale aportarão até R$ 250 milhões cada um, o fundo servirá como tabela de disposição de investidores em injetar recursos nessas mineradoras.
Além disso, como o banco receberá o desinvestimento a partir do quinto ano de fundo, é provável que a operação incentive a abertura de capital dessas companhias.
O desinteresse histórico dos donos do dinheiro neste setor, aliás, é uma das razões de o Brasil ainda não ter desenvolvido o mercado. Sem a vontade dos investidores, fica difícil para as mineradoras juniores abrirem seu capital no Brasil – o que leva para outros países.
Levantamento feito pela consultoria GeoAnsata aponta que apenas uma mineradora júnior está listada na B3: a Sigma Lithium, maior mineradora de lítio em operação no Brasil. Apesar de ser controlada por um grupo brasileiro de investidores, a empresa está listada na Bolsa do Canadá (TSX) e na Nasdaq, uma das Bolsas dos EUA. Na B3, ela lista apenas BDRs, certificados atrelados a ações estrangeiras.
O mesmo levantamento mostrou que 98 mineradoras com operação no Brasil estão envolvidas em Bolsas. Dessas, 75 são considerados juniores, e a grande maioria está no Canadá, Austrália e Alemanha (quem lista no último geralmente já se listou nos dois primeiros).
“Nós não temos um mercado de renda variável para a mineração, ao contrário de países como Canadá, Estados Unidos e Austrália, que são geologicamente semelhantes”, diz Marcos André Gonçalves, presidente do conselho superior da Adimb, associação que fomenta o desenvolvimento da mineração não Brasil. “O Brasil não pode ser apenas um país que exporta ferro e ouro; temos total condição de ser protagonistas e ter as empresas abertas aqui”, acrescentou.
O exemplo do Canadá é simbólico. Das 1.423 mineradoras envolvidas no país em 2022, 770 tinham, na verdade, ativos em outros países, somando US$ 214,7 bilhões (R$ 1,2 trilhão) –dois terços do total dos ativos das empresas envolvidas. A América Latina é a região que mais abriga esses ativos, e o Brasil o quarto país estrangeiro; atrás apenas de EUA, Chile e Panamá. Ao todo, 88% das mineradoras do Canadá são juniores, mas elas representam 6% do valor dos ativos.
As mineradoras juniores, em geral, são criadas por técnicos de mineração e vendidas para grandes grupos antes mesmo de extrair minério. Foi o que aconteceu com a australiana Latin Resources, empresa que vendeu seu projeto de lítio no Vale do Jequitinhonha em agosto para Pilbara.
Mas o caminho para viabilizar a entrada delas na B3 ainda é longo. Um passo importante, segundo a CEO da Sigma, Ana Cabral, seria conceber fundos de pensão estrangeiros para investir no mercado brasileiro –hoje há várias restrições para esses fundos investirem em países emergentes.
“Tem fundo de pensão que está sentado em um trilhão de dólares e eles têm o mandato de contratar gestores para alocar esse dinheiro, portanto um dos mandatos pode ser incluir minerais da transição energética na carteira de investimentos”, diz. “Com esse elemento, a gente teria uma oportunidade incrível de galvanizar isso na B3.”
A tarefa não é fácil, já que até os fundos nacionais estão reticentes. No final do ano passado, por exemplo, a Brazilian Rare Earths (BRE), uma mineradora júnior que quer extrair minerais de terras raras na Bahia, conversou com grandes fundos brasileiros enquanto se preparava para abrir capital na Austrália, mas nenhum se interessou pela compra das ações. Esses minerais são importantes para a fabricação de baterias magnéticas e turbinas eólicas.
Ao final, a empresa fez duas ofertas públicas que somaram 130 milhões de dólares australianos (R$ 481 milhões) sem nenhuma participação de fundos brasileiros. Por outro lado, uma das compradoras foi Gina Rinehart, uma pessoa mais rica da Austrália.
“Apesar das diversas reuniões, sinto que a narrativa não se encaixou muito bem para que fundos brasileiros entrem, seja pelo desconhecimento ou pela falta de prática de investir numa empresa com ações em bolsa estrangeira. Poucos fundos possuem esta capacidade construída internamente com vezes dedicadas e com capacidade crítica o suficiente para a tomada de risco”, afirma Renato Gonzaga, diretor financeiro da BRE.
Segundo Leonardo Laport, chefe de ações globais da Jefferies na América Latina, a falta de disposição passa pelas regras do mercado financeiro brasileiro, que obrigam alguns fundos a divulgar suas cotas todos os dias.
“Vamos supor que saia um release da mineradora dizendo que os resultados da pesquisa mineral não saíram como a empresa esperava; com isso, a cota do fundo vai tomar uma porrada. Como você justifica essa queda para o cotista, enquanto o Ibovespa, por exemplo, está crescendo? Ou seja, a própria regulação brasileira da divulgação de cota diária não permite ao fundo assumir riscos maiores”, diz. “Isso não existe em outros países do mercado.”
Pesa também a falta de especificidades para o setor nos relatórios de investimentos que as companhias abertas precisam ser divulgadas. Isso porque, como em vários casos as mineradoras juniores ainda são pré-operacionais, seus únicos ativos são os projetos de extração. Assim, os investidores precisam ter certeza da veracidade das reservas, recursos e teor dos minerais relatados. Uma solução seria copiar as normas da Austrália e Canadá, já respeitadas no mundo.
Esse passo poderia ser feito pela CVM (Comissão de Valores Mobiliários). O órgão abriu uma consulta pública em setembro sobre a possibilidade de agilizar a entrada de empresas com faturamento bruto abaixo de R$ 500 milhões no órgão.
“Esses documentos precisam falar uma língua que traduza os termos para o risco de investimento, porque o investidor precisa entendê-los”, afirma Leonardo Resende, superintendente da B3 responsável pelo tema. “Hoje, quando os bancos se apresentam como empresas aos investidores, eles não demonstram interesse e precisam estar prontos para uma eventual saída dos investimentos do BNDES.