A morte de Luana Santos Conceição, 21 anos, na cidade de Itabela, no Sul baiano, é mais uma na lista de casos investigados como feminicídio no estado. O suposto agressor, o companheiro dela, Webister Viana Gomes, 31, está preso. Ele chegou a procurar a delegacia para declarar a mulher como desaparecida, mas acabou caindo em contradição durante o depoimento e, ao tentar fugir, foi detido pela Polícia Rodoviária Estadual. Os registros de feminicídio que se transformaram em ações penais no estado somam 41 entre 2015 – ano em que virou crime – e 2017, segundo levantamento divulgado nessa quarta-feira (22) pelo Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA). No mesmo período, o Judiciário também contabilizou 15 tentativas de feminicídio. A pesquisa não informou o número de 2018.
De acordo com os dados, a maioria das vítimas é parda e tem entre 19 e 40 anos. Entre os agressores, a maior parte também é parda e tem a mesma faixa etária. Sobre os crimes, o levantamento aponta que eles ocorrem à noite e com a utilização de arma branca.
A desembargadora do TJ-BA, Nágila Brito, afirmou que “esse perfil das vítimas vem sendo confirmado há bastante tempo, bastando verificar o último mapa da violência, que traz dados nacionais, com a redução de feminicídio de mulheres brancas e o aumento de mais de 50% dos casos envolvendo mulheres negras”. Para ela, a maioria das vítimas sendo pardas e negras não é uma particularidade da Bahia, o que ressalta que a mulher sofre violência não só de gênero, mas também a aspectos raciais.
Motivos
Sobre os agressores, o tribunal registrou que os perfis se assemelham aos das vítimas, apesar de existirem menos informações sobre eles registradas nos bancos de dados do estado. A promotora de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP) e integrante do Grupo de Atuação Especial de Enfrentamento à Violência Doméstica do MP-SP, Fabíola Covas, destaca que “os motivos das mortes violentas das mulheres geralmente são o sentimento de posse sobre a mulher, controle sobre sua autonomia, corpo e desejo, limitação profissional da mulher, sua emancipação, a manifestação de desprezo da mulher e do feminino”.
Ela afirma que o silêncio é um fator de risco nos casos de agressão. “A quebra do silêncio, por outro lado, permite que se dê visibilidade àquela realidade, que se vislumbre quais são as medidas individuais para a proteção da mulher e repressão do agressor, além de possibilitar saber quais políticas públicas podem ser adotadas para prevenção”, declarou Fabíola.
A sistematização dos números divulgados pelo TJ será confrontada com as políticas públicas para enfrentamento da violência contra a mulher implementadas na capital baiana, “configuradas enquanto instrumentos de proteção e prevenção à vida e aos direitos humanos das mulheres”, informou o tribunal.
Medidas protetivas
A promotora de Justiça do Ministério Público da Bahia, Ana Rita Nascimento, membro do júri que atua em casos de violência contra a mulher, menciona duas situações diferentes que levam à dificuldade de tipificação do feminicídio pela falta de denúncias prévias. “Existe aquela situação quando a mulher, por medo, dependência financeira ou afetiva, não denuncia e, com isso, quando acontece a morte, as investigações são prejudicadas pela falta da ocorrência”, disse. Esse é o caso do silêncio descrito pela promotora do Ministério Público de São Paulo.
“Outro caso é quando ela faz a denúncia, o agressor fica proibido de se aproximar da vítima, por causa da aplicação de medidas protetivas e, quando acontece o descumprimento, a mulher não comunica à polícia, também por medo, dependência”, afirmou. Essa situação preocupa os tribunais de Justiça do país, uma vez que “não há efetivo policial para fiscalizar se estão sendo cumpridas as medidas impostas contra os agressores”, diz Ana Rita.
Na Bahia, no ano passado, cinco em cada grupo de mil mulheres receberam medida protetiva, segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O TJ-BA concedeu no período 3.208 medidas, contra 3.263 em 2016.
O projeto Ronda Maria da Penha, implantado em 2015, é o responsável por fiscalizar as vítimas de violência no estado, fazendo visitas recorrentes às casas onde elas vivem e se certificando que os agressores vêm cumprindo a determinação judicial. “É importante denunciar na primeira vez [em que a violênica é cometida]. Segundo o Ipea, uma mulher sofre, em média, sete violências antes de denunciar”, afirmou a major Denice Santiago, comandante da Ronda Maria da Penha.
Segundo a Polícia Militar da Bahia, desde que foi criada, a Ronda já prendeu na Bahia 134 agressores e fez 141 encaminhamentos às delegacias. No entanto, para a promotora Ana Rita, não há monitoramento suficiente e muitos agressores voltam a cometer crimes. “Eu defendo a adoção de tornozeleiras eletrônicas para os casos de medida protetiva, porque, apenas quando se tem certeza da fiscalização, é que existe o medo de cometer o crime. Basta fazer uma analogia com os radares ou as blitze de lei seca”, destacou a promotora.
Em nota, a Secretaria da Segurança Pública da Bahia (SSP-BA) afirmou que “investe anualmente nas ampliações das Delegacias Especiais de Atendimento à Mulher (Deam) e na Operação Ronda Maria da Penha e lamenta que ainda exista, por parte de alguns homens, o sentimento de posse”.
Palestras
Para conscientizar sobre a importância da denúncia, o TJ-BA está realizando a 11ª Semana Justiça pela Paz em Casa, com a oferta de serviços e o esforço concentrado no julgamento de processos de violência contra a mulher. Nessa sexta-feira (24), o feminicídio estará na pauta de discussão do TJ-BA durante o Ciclo de Palestras. Os debates, abertos ao público, acontecem a partir das 14h, no auditório do edifício-sede do TJ-BA, sem a necessidade de inscrição prévia.
A advogada Salete Maria da Silva, com atuação especial na defesa dos direitos das mulheres e da população LGBT, vai ministrar a palestra “Violência contra as mulheres: uma das faces do patriarcado”. Na sequência, o psicanalista, analista e presidente da Associação de Psicanálise da Bahia, Claudio Carvalho, apresentará a aula “Do pecado original ao juízo final: três notas sobre a violência contra a mulher”. Para fechar a semana e o evento, o promotor de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal, Amom Albernaz Pires, falará sobre os desafios na implementação da Lei do Feminicídio.
Veja onde buscar ajuda:
Creas – O Centro de Referência Especializada de Assistência Social atende pessoas em situação de violência ou de violação de direitos. Telefone: 3115-1568 (coordenação estadual) e 3176-4754 (coordenação municipal)
CRLV – O Centro de Referência Loreta Valadares promove atenção à mulher em situação violenta, com atendimento jurídico, psicológico e social. Endereço: Praça Almirante Coelho Neto, nº 1 – Barris, em frente à Delegacia do Idoso. Telefone: 3235-4268
Deam Brotas – (Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher) – Rua Padre José Filgueiras, s/n – Engenho Velho de Brotas. Telefone: 3116-7000
Deam Periperi – Rua Doutor José de Almeida, Praça do Sol, s/n – Periperi. Telefone: 3117-8217
Disque Denúncia – As mulheres são atendidas pelo Disque 180, da Secretaria Nacional de Políticas para Mulheres
Fundação Cidade Mãe – Órgão municipal que presta assistência a crianças em situação de risco. Endereço: Rua Prof. Aloísio de Carvalho – Engenho Velho de Brotas
Gedem – O Grupo de Atuação Especial em Defesa da Mulher do Ministério Público da Bahia atua na proteção e na defesa dos direitos das mulheres em situação de violência. Endereço: Avenida Joana Angélica, nº 1.312, sala 309 – Nazaré. Telefone: 3103-6407/6406/6424. (Correios24h)