Um comediante de TV que se tornou presidente da Ucrânia quase por acaso. Esta é a definição mais resumida do ucraniano Volodimir Zelensky, que tem estampado o noticiário internacional no centro de uma batalha com a Rússia.
Apesar da veia cômica, Zelensky é formado em Direito e tem tentado dar discursos fortes como chefe de Estado. “Não precisamos de outra Guerra Fria, ou uma guerra sangrenta, ou uma guerra hÃbrida.(…) Mas agora, o que está sendo decidido não é somente o futuro do nosso paÃs, mas o futuro de como a Europa quer viver”, disse, em declaração em meio ao conflito com a Rússia.
De onde surgiu Zelensky? Até o inÃcio de 2019, Zelensky vivia como um humorista de sucesso no paÃs, com um patrimônio avaliado em US$ 1,5 milhão (cerca de R$ 8 milhões). Representava justamente um presidente em “Servo do Povo”, programa de sátira polÃtica criado e produzido por ele. O enredo era bem atual: um professor de história do ensino médio, com 30 e poucos anos, grosseiro e revoltado, que é inesperadamente eleito presidente da Ucrânia, após viralizar em um vÃdeo contra a corrupção.
A vida realmente imitou a arte: sem qualquer experiência em cargos polÃticos, Zelensky foi eleito para o maior posto eleitoral em 2019. Teve 73% dos votos no segundo turno, derrotando o então presidente e bilionário Petro Poroshenko (25%). Seu estilo irreverente, com fortes crÃticas à velha polÃtica, foi o principal fator que o conduziu à vitória.
Com propostas extremamente vagas e discurso anticorrupção, a campanha foi realizada quase como uma grande piada e humilhação aos candidatos tradicionais, principalmente nas redes sociais. O slogan assumia a tática: “Se não tem promessa, não tem decepção”.
Seu partido polÃtico, inclusive, foi criado com o mesmo nome do programa de TV, “Servo do Povo”. A cena de Servo do Povo que ficou mais famosa, provavelmente, é a em que o presidente empunha duas metralhadoras Uzi e faz uma chacina no Parlamento ucraniano, disparando contra todos os polÃticos.
Zelensky foi eleito na onda contra a classe polÃtica vigente, que tomou diversos paÃses do mundo – agora, contudo, questiona-se a capacidade desses lÃderes, eleito contra polÃticos tradicionais em inúmeros paÃses, de liderarem uma nação.
A população, descontente e abalada por uma economia em colapso, ansiava por mudanças; foi um tipo de voto de protesto. Assim, um comediante passou a comandar um dos paÃses mais pobres da Europa, com 44 milhões de habitantes, quase três décadas após sua independência da União Soviética, em 1991.
Analistas o viam com desconfiança, comparando a outras celebridades que entraram para a polÃtica e se envolveram em polêmicas, como Donald Trump, Silvio Silvio Berlusconi, Ronald Reagan e Beppe Grillo.
Logo na sua posse, em maio daquele ano, Zelensky realizou mudanças bruscas: dissolveu o Parlamento para renová-lo e prometeu dialogar com a Rússia para resolver conflitos separatistas. Mas hoje, aos 44 anos, está no centro do que pode ser a pior crise mundial das últimas décadas. O estopim são duas regiões no leste do paÃs, Donetsk e Lugansk, que os russos reivindicam.
O presidente tem recorrido aos aliados ocidentais, como os Estados Unidos, de Joe Biden, e a França, de Emmanuel Macron, para controlar o crescente conflito.
Relação com EUA
LÃderes mundiais, naturalmente, tiveram problemas para lidar com um novato como Zelensky. Aos poucos, com certo charme e diplomacia, portas foram se abrindo. Acuado entre a pressão dos russos e dos norte-americanos, o presidente deixou claro que realizaria um governo pró-Ocidente, estreitando laços econômicos com os EUA e a União Europeia. Zelensky herdou um dos pontos mais sensÃveis: a relação com a Rússia, que invadiu e anexou a Crimeia em 2014 e há anos apoia rebeldes separatistas no leste da Ucrânia. É preciso aliados e força polÃtica para enfrentar o presidente Vladimir Putin, que o acusa de relegar os habitantes de lÃngua russa no paÃs.
A transcrição de uma ligação telefônica com Trump, vazada em 2019, mostrou um Zelensky subserviente e complacente, tecendo elogios ao norte-americano, que o pressionava para investigar a empresa ucraniana de gás natural Burisma, na qual trabalhou o filho de Joe Biden, seu adversário nas eleições seguintes. Em certo momento, o presidente ucraniano disse que aprendeu muito com Trump, um exemplo para sua vitória nas eleições, e que gostaria que conversas como aquela acontecessem mais vezes. Uma conversa digna de uma sátira em um programa de comédia, que surpreendeu os crÃticos.
Segundo eles, se por um lado Zelensky representa renovação, por outro pode se tornar um fantoche de outras nações e de magnatas ucranianos, como Igor Kolomoysky – proprietário da emissora que transmitia o Servo do Povo e de outros negócios que são alvo de investigações na Ucrânia.
Vida pessoal
Zelenskyy nasceu em 25 de janeiro de 1978, na cidade de Kryvyi Rih, na então União Soviética (hoje Ucrânia). Vem de uma famÃlia judaica, vÃtima do holocausto. Seu pai, Oleksandr Zelenskyy, é professor e chefe do Departamento de Cibernética e Hardware de Computação da Universidade de Kryvyi Rih; sua mãe, Rymma Zelenska, era engenheira. Quando criança, Zelenskyy morou por quatro anos em Erdenet, na Mongólia, onde seu pai trabalhava. Aos 17, iniciou sua trajetória no entretenimento, se juntando a grupos de comédia ucranianos. Formou-se em Direito, na Universidade de Kryvyi Rih, mas nunca trabalhou na área.
Em 1997, criou o Kvartal 95, que por anos fez turnê pela Rússia e nações pós-soviéticas. Foi este grupo que passou a produzir séries de televisão, inclusive o Servo do Povo (2015 – 2019). Entre 2009 e 2018, atuou em oito filmes; em 2006, participou da versão ucraniana da “Dança dos Famosos”. Zelenskyy é casado com Olena Kiyashko, desde 2003, com quem tem dois filhos, Oleksandra, 17, e Kyrylo, 11.