28 de maio de 2016
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Os cofres vazios em grande parte das prefeituras do País têm se refletido diretamente nos bolsos dos funcionários municipais. Em 576 cidades, os prefeitos não têm conseguido pagar em dia o salário dos servidores. Desse total, 11% estão com atraso superior a seis meses, segundo levantamento da Confederação Nacional dos Municípios. No Piauí, por exemplo, algumas prefeituras foram acionadas na Justiça para fazer o pagamento dos funcionários. Esse é o caso do município de Boa Hora, a 156 quilômetros de Teresina. Mergulhada numa forte crise financeira, os servidores públicos estão há quatro meses com salários atrasados. Diante da situação, os professores decidiram fazer greve por tempo indeterminado ou até receberem os pagamentos. A dívida inclui ainda salários de vigias, zeladores e secretários escolares. Além dos meses em atraso neste ano, há outras pendências na conta da prefeitura: salários em aberto referentes a dezembro de 2012, dezembro de 2014 e a novembro e dezembro de 2015. A presidente do Sindicato dos Servidores Públicos de Boa Hora, Maria da Conceição Almeida, afirma que os planos de saúde também foram cancelados e que não há recursos para pagar os empréstimos consignados da Caixa Econômica Federal. A cidade, de 6,5 mil habitantes, tem 22 escolas de nível fundamental e uma de ensino médio. No total, são 171 professores efetivos. Para contornar o problema, o Ministério Público Federal pediu bloqueio de valores de contas públicas para impedir que a prefeitura use os recursos do Fundeb (Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica) em outras despesas que não o pagamento de salários. O prefeito José Araújo Rezende (PPS) diz que é importante que a Justiça entre no caso. “Nós provaremos que não estamos pagando porque o recurso não dá.
” Ele argumenta que o atraso se deve às quedas consideráveis dos recursos do Fundeb e que a prefeitura tem adotado uma série de medidas para economizar, incluindo a redução de seu salário, de seus secretários e de funcionários comissionados em 20%. “Eu cortei na própria carne.” A crise afeta diretamente a vida da população, porque serviços públicos como coleta de lixo, educação e saúde estão sendo prejudicados. As medidas de contingenciamento se estendem por vários municípios do Estado. Prefeitos paralisaram obras, suspenderam pagamentos de fornecedores e reduziram seus próprios salários, dos secretários e de cargos comissionados. Folha de pagamento. Na Bahia, alguns municípios também devem seguir o mesmo caminho para equilibrar as contas. Em Retirolândia, cidade com 13 mil habitantes, o prefeito André Araújo Martins (PSD) prevê para junho uma redução dos salários dos funcionários municipais, incluindo os vencimentos dele próprio, de seu vice e dos secretários. “É melhor pagar pouco, mas pagar todo mundo. Se a arrecadação continuar nesse nível, tenho certeza de que não conseguirei pagar a folha toda no final do ano”, diz. Na tentativa de evitar esse cenário, a alternativa tem sido cortar gastos não essenciais. “Estamos mantendo apenas os serviços básicos, como os de saúde e de limpeza”, afirma o prefeito. De acordo com Martins, os cortes mais intensos são nas áreas de infraestrutura e investimentos. Em Lafaiete Coutinho, também na Bahia, onde 70% da receita é proveniente do governo federal, os cortes se concentraram nos investimentos. “A verba de investimento de saúde e educação foi reduzida a zero. Estamos tirando de outras fontes”, conta o prefeito Zenildo Brandão (PP). Lei de Responsabilidade. Manter a folha de pagamento em dia, porém, está longe de ser um sinal de saúde financeira para muitos municípios. As prefeituras estão extrapolando o limite com gasto de pessoal determinado pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), de 54% das receitas (60%, se considerado o salário do Legislativo), correndo então o risco de não conseguir honrar os compromissos por muito mais tempo. Segundo dados da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), até abril, 22,5% das prefeituras do País ultrapassaram esse limite na última folha de pagamento. Em alguns Estados, no entanto, esse porcentual é muito maior. Em Pernambuco e Espírito Santo, por exemplo, quase 70% dos municípios infringiram o limite da LRF no ano passado. Situação ainda pior vive a Bahia – Estado onde quase todos municípios já descumpriram a lei. “Apenas 100 cidades no Brasil inteiro – num universo de mais de 5 mil – conseguem pagar o quadro de funcionários com receita própria”, afirma o economista-chefe da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), Guilherme Mercês. “A dependência da União é muito grande, e as despesas obrigatórias são muito elevadas.” O quadro pode se agravar ainda mais nos próximos meses. “A tendência é essa situação ficar ainda pior no segundo semestre, já que as transferências federais tendem a diminuir (porque o governo começa a pagar as restituições do Imposto de Renda)”, diz o presidente da Associação Piauiense de Municípios, Arinaldo Antônio Leal. Com boa parte do orçamento comprometida com despesas de pessoal, sobra pouco para as outras necessidades da população. “Já fizemos corte de cargos comissionados, redução de pessoal, tudo que foi possível”, afirma o presidente da Associação dos Municípios de Pernambuco, José Patriota. Para garantir o funcionamento da maquina pública, o corte de alguns funcionários resultou no acúmulo de tarefas para quem ficou. Em Venda Nova do Imigrante (ES), os cargos comissionados foram reduzidos pela metade. O secretário de Administração, por exemplo, passou a acumular a Secretaria de Turismo; e o secretário do Meio Ambiente, a pasta da Agricultura. Segundo a Associação de Municípios do Estado do Espírito Santo, a maioria dos municípios do Estado reduziu os cargos comissionados pela metade. A inadimplência afeta não só os funcionários, mas também os fornecedores das prefeituras. Segundo a CNM, 59,2% dos municípios estão com algum atraso no pagamento de fornecedores. Desses, 8,6% estão com atraso superior a seis meses. Outras prefeituras vão além e comprometem os serviços públicos básicos: encostam veículos e máquinas pesadas para economizar no combustível e diminuem contratos de limpeza da cidade e coleta de lixo. Embora a situação mais delicada esteja no Nordeste, cidades de Estados mais ricos, como São Paulo e Rio de Janeiro, enfrentam as mesmas penúrias. “Para economizar com luz e telefone, alguns prefeitos estão reduzindo o horário de atendimento dos serviços públicos pela metade e proíbem horas extras”, afirma o presidente da Associação Paulista de Municípios, Marcos Monti. Em 2015, a falta de dinheiro obrigou a cidade de Barra Bonita (SP) a editar um decreto de contingenciamento reduzindo em 20% o salário do prefeito e do vice-prefeito, em 10% a remuneração de cargos de confiança e a encurtar o horário de expediente. Durante seis meses, as repartições públicas do município (exceto saúde, educação e assistência social) funcionaram das 7 às 13 horas. “Conseguimos economizar R$ 1 milhão”, diz o prefeito Glauber Guilherme Belarmino (PSDB). Ele conta que atividades culturais também passaram por revisões. “A feira de artesanato foi cancelada, o réveillon teve parceria da iniciativa privada e os investimentos no carnaval foram cortados em 40%.” Em Águas de Lindoia, o prefeito Antônio Nogueira (DEM) diz não saber mais o que fazer para adequar as despesas às receitas. Até o dia 20 de cada mês, ele paga contas diversas, como os fornecedores. A partir daí, todos os pagamentos são suspensos para que a prefeitura consiga quitar a folha. “Hoje em dia, recebe quem grita mais alto. A conta de luz nós atrasamos até o limite do corte da ligação. Na saúde, compramos os remédios mais urgentes.” (colaboraram Luciano Coelho, Luiza Freitas e Thaís Barcellos, especial para a Agência Estado)