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27 de agosto de 2021
Brasil

Justiça censura quatro reportagens publicadas na imprensa em menos de uma semana

A Justiça censurou quatro reportagens publicadas em veículos jornalísticos em menos de uma semana no país. As decisões foram proferidas por diferentes varas e tribunais — Amazonas, Distrito Federal, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. O GLOBO foi alvo de cerceamento por dois conteúdos publicados no período: uma série que expunha inconsistências e suspeitas de fraude em ensaio clínico da proxalutamida, remédio sem eficácia comprovada contra a Covid-19, e uma reportagem sobre movimentações financeiras da VTC Log, empresa investigada pela CPI da Covid.

Em outros dois casos, a revista “Piauí” foi proibida de publicar informações sobre os desdobramentos do caso de acusação de assédio envolvendo o humorista Marcius Melhem, e a RBS TV, afiliada da TV Globo no Rio Grande do Sul, também foi alvo de censura prévia. O desembargador Jorge André Pereira Gailhard, da 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, manteve a proibição, determinada por liminar emitida no dia 21 deste mês, de divulgação de reportagem sobre a delação premiada feita por um empresário ao Ministério Público.

A juíza Karine Farias Carvalho, da 18ª Vara Cível da comarca de Porto Alegre, havia impedido a RBS de “realizar qualquer divulgação jornalística, por qualquer meio que seja, de informações ou vídeos”. A proibição se mantém até que a Justiça decida se recebe ou não a denúncia feita pela promotoria, que está em análise.

A censura imposta pelos magistrados foi amplamente criticada por entidades jornalísticas, de defesa da liberdade de expressão e da democracia. Juízes e especialistas ouvidos pela reportagem endossam as críticas ao cerceamento imposto pelo Judiciário, que classificam como “ilegítimo”, “autocrático” e “inadmissível”.

O ministro aposentado Celso de Mello, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), diz que “o Estado não tem poder algum para interditar a livre circulação de ideias ou para proibir o livre exercício da liberdade constitucional de manifestação do pensamento”.

“A censura, qualquer tipo de censura, mesmo aquela ordenada pelo Poder Judiciário, mostra-se prática ilegítima, autocrática e essencialmente incompatível com o regime das liberdades fundamentais consagrado pela Constituição da República. A prática da censura, inclusive da censura judicial, além de intolerável, constitui verdadeira perversão da ética do Direito e traduz, na concreção do seu alcance, inquestionável subversão da própria ideia democrática que anima e ilumina as instituições da República. No Estado de Direito, construído sob a égide dos princípios que informam e estruturam a democracia constitucional, não há lugar possível para o exercício do poder estatal de veto, de interdição ou de censura ao pensamento, à circulação de ideias, à transmissão de informações e ao livre desempenho da atividade jornalística, diz Celso de Mello.

As decisões também foram criticadas pelo ministro aposentado Marco Aurélio Mello, que deixou o Supremo no mês passado. Segundo Mello, o cerceamento do Judiciário às reportagens é “inadmissível”: “Censura nunca mais”.

“A tônica é a liberdade de expressão, bem maior de um estado democrático de direito. Deságua se houver extravasamento no direito à indenização por dano material e moral. Inadmissível é pensar-se em cerceio, em verdadeira censura, partindo ou não do Estado. O que se dirá, considerado Judiciário, que tem a obrigação de preservar os ditames maiores da Constituição? É o meu ponto de vista sobre a matéria. Censura nunca mais”, afirma.

Nos últimos dias, entidades e associações jornalísticas se posicionaram contra a censura e demonstraram preocupação com as decisões judiciais. A Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT), a Associação Nacional de Editores de Revistas (ANER) e a Associação Nacional de Jornais (ANJ) protestaram contra a repetição de casos de censura prévia, em desacordo com o que determina a Constituição.

“A censura prévia judicial não distingue o tipo de meio de comunicação – televisão, revista e jornal – e tem em comum o fato de privar os cidadãos do direito de serem livremente informados. É lamentável que há tantos anos a censura prévia se repita em nosso país, partindo exatamente do Poder Judiciário, responsável pelo cumprimento das leis. As associações esperam que essas iniciativas de censura sejam logo revertidas por outras instâncias da Justiça, embora já tenham provocado o efeito danoso e inconstitucional de impedir a liberdade de informação. É inadmissível que juízes sigam desrespeitando esse princípio básico do Estado de Direito”, dizem em nota.

O Globo