O Ministério da Infraestrutura decidiu alterar a portaria que estabelece regras para autorizar a construção de novas ferrovias após pressão do Senado. O modelo proposto pelo governo era questionado também no TCU (Tribunal de Contas da União) e pela Rumo Logística, uma das maiores empresas do setor. A portaria permite investimentos em ferrovias apenas com autorização do governo, sem necessidade de leilões de concessão, e é a base do programa federal Pró-Trilhos, que já tem 23 requerimentos de novos trechos, com investimentos totais de R$ 100 bilhões. Segundo seus críticos, ela contraria tanto a medida provisória que estabeleceu as autorizações ferroviárias quanto lei aprovada no Senado sobre o mesmo tema, ao priorizar a outorga dos projetos por ordem de chegada dos pedidos.
Alegando que o modelo não traz o melhor resultado para o país, o relator do projeto de lei, o senador Jean Paul Prates (PT-RN) articula a edição de um decreto parlamentar para sustar seus efeitos. Mesma visão tem a representação do Ministério Público no TCU, que também pediu mudança nas regras. Prates esperava votar o decreto nesta quarta-feira (27) mas concedeu ao governo mais um dia para melhorar o texto após pedido do líder do governo no Congresso, o senador Fernando Bezerra (MDB-PE). Suas críticas ganharam apoio do senador José Aníbal (PSDB-SP). “O procedimento usado é: quem chegou primeiro leva. É algo absolutamente inaceitável’, disse Aníbal à Agência Senado. “É tão óbvio que essa portaria está errada, que é deletéria ao introduzir um critério que se sobrepõe à análise dos projetos, mas o ministro está autorizando.”
O novo texto da portaria dará prioridade por ordem de chegada na análise dos projetos e não mais nas outorgas. O ministério não explicou se fará concorrências quando houver mais de um interessado pelo mesmo trecho, conforme prevê o projeto de lei. A pressão do Senado levou à mudança mesmo após vitória do governo em primeira instância ação movida pela Rumo, que tem interesse em dois trechos requeridos primeiro pela VLI Logística. Na ação, a Rumo acusava o governo de acelerar o processo para beneficiar a concorrente. Os primeiros quatro requerimentos, incluindo os dois em disputa por Rumo e VLI, começaram a ser analisados pela ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) na última quinta (21), mas o processo foi suspenso por pedido de vista do diretor da agência Guilherme Sampaio.
A ANTT avaliaria se existe alguma incompatibilidade entre os trechos e ferrovias já construídas ou outorgadas, uma das pré-condições para que as autorizações sejam concedidas. Na segunda (24), o procurador federal Julio Marcelo Oliveira, que atua no TCU, pediu que o ministério se abstenha de emitir autorizações enquanto o tribunal analisa a questão, alegando que a portaria “contraria uma importante diretriz de seleção presente na própria medida provisória”. Oliveira questiona a edição da regra de chegada pela MP depois que os primeiros requerimentos foram apresentados ao governo. Para ele, a aplicação retroativa desse critério “equivale a direcionar a escolha de modo a favorecer uma empresa previamente conhecida”.
Em parecer assinado também na segunda, auditores da Secretaria de Fiscalização de Infraestrutura Portuária e Ferroviária do TCU discordam da visão do procurador e pedem indeferimento do pedido de liminar para suspender as autorizações. Eles repetem argumento do ministério, defendendo que é possível autorizar mais de um projeto com os mesmos pares de origem e destino ou atendendo às mesmas regiões de interesse e que a análise da ANTT se destina a identificar possíveis conflitos e demandar a apresentação de soluções. “O interesse público que daí deriva é o interesse pela abertura do mercado ferroviário à competição, à redução dos custos de transporte, e pelo crescimento do Subsistema Ferroviário Federal”, diz o texto. A decisão final caberá ao ministro do TCU Bruno Dantas.
O Pró-Trilhos foi lançado em cerimônia com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) no início de setembro e é celebrado pelo ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Almeida, com um ponto de inflexão na logística brasileira, ao fomentar investimentos em um modal mais eficiente. Nesta quarta, o ministério divulgou comunicado informando que o programa “alcançou uma cifra histórica” na segunda, ao superar a estimativa de R$ 100 bilhões em investimentos em 23 requerimentos formulados por 12 empreendedores privados. “As solicitações atendem demandas históricas do transporte ferroviário quanto à provisão de novas rotas e à inclusão de mais operadores na oferta ferroviária para escoamento de cargas minerais, agrícolas e por contêineres pelo país”, diz o texto.